Há diversas formas de se fazer Carnaval. E nenhuma delas é tão
eficiente como o selo Beija-Flor de qualidade. A maior campeã da Sapucaí
mostrou, como sexta escola a desfilar neste domingo, que está forte na
luta para defender o título conquistado no ano passado. Em desfile
marcado pelo luxo e beleza das alegorias e fantasias, a agremiação de
Nilópolis contou a história de São Luís do Maranhão com uma perspectiva
diferente, abordando um lado místico que envolve lendas ligadas à
cidade.
Mas o imponente abre-alas e os carros 2A e 2B, representando navios
negreiros, que estavam impecáveis, não foram tão impactantes como a
última alegoria do desfile - mais simples esteticamente, porém com um
quê de emoção insuperável. Joãosinho Trinta, um os maiores artistas da
história deste país, foi homenageado em grande estilo pela Beija-Flor.
Seu rosto era o destaque da parte frontal do carro "A histórica São Luis
e a arte do gênio João", juntamente com um trono, vazio, devido ao
falecimento do carnavalesco. E como se não bastasse isso, uma
"releitura" do Cristo Mendingo do polêmico e aclamado desfile Ratos e
Urubus de 1989 foi apresentada para encerrar o desfile, na parte
posterior do carro. No lugar do Rendetor, João. E sob ele, os "mendigos"
que consagraram aquela apresentação.
O "poema encantado" declamado pela Beija-Flor, no entanto, também
apresentou falhas. A leitura do enredo, por exemplo, acabou não sendo
tão fácil. A homenagem a São Luis passeou por temas como escravidão,
quimeras e lendas assustadoras. Ao invés da tradicional alegria
conhecida do Maranhão, muito bem retratada na quarta alegoria,
representando o Boi Bumbá, e na sexta, comparando-a a Atenas e à
Jamaica, deu lugar a tons escuros, criaturas do mal e a crueldade dos
colonizadores europeus com os escravos negros. Criatividade ou fuga do
tema? Uma resposta que somente os jurados poderão responder.
A evolução da escola foi outro ponto que não foi perfeito. Os
componentes demonstraram muita alegria, canto forte e desenvoltura,
porém foi possível identificar buracos no meio e no fim do desfile. A
comissão de frente, apesar de muito bonita e criativa, também errou em
mais de um setor. Claudinho e Selminha Sorriso fizeram apresentações
corretas, assim como a bateria dos mestres Rodney, Plínio e Binho
Percussão - que sabe como dar cadência como ninguém a um samba. Ainda
mais quando o refrão, embalado pelo mais antigo intérprete do Carnaval
carioca em atividade, Neguinho da Beija-Flor, conquista parte do
público.
Confira a análise do desfile cabine por cabine:
Cabine 1 - A cena foi emblemática. Com muita vibração, Laíla, diretor
de carnaval da Beija-Flor, se ajoelhou diante dos jurados, bateu no chão
da Sapucaí e socou o peito. A empolgação era tanta que até seus óculos
acabaram voando do bolso da camisa. Era o anúncio de que vinha uma
Beija-Flor empolgante e muito bonita pela frente. Antes disso, a
comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-bandeira se
apresentaram.
A comissão chamou a atenção pelas grandes dimensões do tripé e pela
enorme "serpente encantada" que vinha rastejando pela Sapucaí. De dentro
dela, saíram "guerreiros tupinambás", que faziam uma dança com passos
fortes, gritos e muita energia. A coreografia e a criatividade foram
ótimas, porém a coordenação na hora de fazer a serpente sair de dentro
do "casco", que era o tripé, não foi das melhores. Um componente chegou a
deixar um pedaço da "pele" da cobra cair antes da hora. Ainda assim, a
apresentação foi bastante aplaudida, assim como Selminha e Claudinho,
que vieram logo depois. O casal, muito bem vestido, se exibiu com
tranquilidade e elegância.
Chegava a hora, então, das fantasias, alas coreografadas e alegorias da
Beija-Flor tirarem o fôlego do público. Além do canto forte de seus
componentes, a escola empolgou os espectadores com o belíssimo trabalho
visual feito nos grandiosos e luxuosos carros alegóricos. Destaque para a
ala onde negros, representando escravos, dançavam praticamente seminus,
com correntes, e para os carros dos navios negreiros.
Cabine
2 - A comissão de frente da Beija-Flor tinha o elemento cenográfico
como principal destaque da sua apresentação, pois a coreografia dos
dançarinos era muito simples.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira se saiu muito bem. Claudinho e
Selminha realizaram uma coreografia acompanhando o ritmo do samba,
protagonizando uma ótima apresentação.
As alegorias, que apresentavam esculturas muito grandes e bem acabadas,
mas com uma quantidade acima do normal de componentes coreografados nos
carros, o que não costuma ser comum na escola. Observação sobre o carro
que simulava os navios negreiros, que trazia muitas mulheres com os
seios desnudos. Junto com as alegorias, fantasias da escola também
passavam bem a ideia do enredo.
A escola apresentou uma ótima harmonia, com todas as alas cantando
muito o samba-enredo. No entanto, a evolução ficou comprometida a partir
dos 45 minutos de desfile, quando os componentes, literalmente, começou
a correr na avenida, mesmo sem estar atrasada. De uma hora para a
outra, a escola inteira acelerou demasiadamente.
A bateria da Beija-Flor não parou diante da segunda cabine mas, durante sua passagem, executou uma breve bossa.
Cabine 3 - As arquibancadas próximas a este setor ficaram entusiasmados logo quando o nome da escola de Nilópolis foi anunciado.
O forte da comissão de frente se manteve o mesmo: aspectos visuais. Um
grande impacto com a serpente, mas uma coreografia simples.
A apresentação de Selminha e Claudinho foi a mais longa de todas as que
passaram pelo terceiro setor até então. A porta-bandeira da Beija Flor
cantava com emplogação o samba da escola, diferente de seu par. O casal
fez uma bela apresentação com encenações. Ao término da apresentação,
Laíla se ajoelhou diante dos jurados.
Na apresentação da escola, destaque para a passagem dos carros 2A e 2B,
onde a interpretação levou alguns componentes das alegorias às lágrimas
com as encenações dos escravos, e o quinto carro, que produzia um belo
efeito de luzes e sombras, além de um dragão que parecia soltar fogo.
Alguns erros também foram vistos. A primeira ala não apresentou falhas
estéticas, mas o adereço alto que os componentes carregavam aparentava
ser muito pesado. Além disso, a ala 31 passou diante dos jurados com um
de seus integrantes tirando fotos. Quanto às alegorias, pôde se ver a
vela do carro 2A rasgada e a penúltima alegoria apresentava falhas no
acabamento do braço de uma escultura da traseira.
Os componentes, apesar de cantarem o samba, pareciam muito concentrados
e frios. A correria com 45 minutos e 1:03h de desfile prejudicaram a
evolução da escola. A bateria, assim como no setor anterior, não parou
em frente aos jurados e realizaram uma breve bossa durante sua passagem.
Cabine
4 - O fim do desfile da Beija-Flor transcorreu com naturalidade. A
escola manteve o ritmo que vinha apresentando anteriormente. A comissão
de frente, desta vez, parecia mais segura e se apresentou melhor. O
casal, no entanto, teve pequenos problemas com a bandeira, que não ficou
totalmente esticada durante boa parte da apresentação. Além disso,
algumas alas tiveram que acelerar um pouco o passo para evitar problemas
de evolução.
A maior vibração dos espectadores dos setores 10 e 11 foi com a última
alegoria, em homenagem a Joãosinho Trinta. A parte traseira do oitavo
carro da escola gerou muitos aplausos. Antes, a coreografia feita pelos
componentes do segundo carro alegórico, no topo do navio negreiro,
também chamou a atenção, assim como a maioria das fantasias. Era
possível ouvir um "Que lindo" aqui, um "Maravilhoso" ali e muitas
palmas.
A sensação que fica é que a Beija-Flor, como de costume, vai brigar por mais um título neste Carnaval.