segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

O Carnaval da paradona



Quem gosta de carnaval adora novidade. A cada ano um fato marcante rouba a cena e se torna a marca registrada do carnaval. Quem não se lembra que 2008 foi o carnaval do Wilson?
As comissões de frente do carnavalesco Paulo Barros têm desempenhado este papel nos últimos anos, saciando a sede de novidade que acomete o público no desfile: querem samba, mas não apenas samba. É preciso um algo mais, que Paulo Barros tem conseguido prover com talento e criatividade.
Mas em 2012 não teve pra ninguém: só se fala na paradona da bateria da Mangueira. É ela o principal ponto de polêmica deste ano de tanta mesmice, a começar pelos enredos coincidentes de algumas escolas.
Foto: Wilson Spiler
A Mangueira amargou uma modesta sétima colocação e por incrível que pareça ficou fora do desfile das campeãs. Apesar do enredo promissor e do samba animado, não deu. Mas o fato é que, ainda assim, mais uma vez é o principal assunto das rodas de comentários sobre o desfile deste ano.
Seu presidente talvez tivesse consciência de que, não podendo oferecer um espetáculo à altura das coirmãs mais poderosas, devia aos torcedores da escola alguma coisa diferente, que a pusesse no centro das atenções. Não seria campeã, porque lhe falta estrutura financeira e administrativa para isso. E, antes que lhe apontassem os inúmeros defeitos de um desfile tecnicamente claudicante, deslocou o foco das atenções para a novidade. Tal como homem que voa, como mar que se abre, como cabeças que se descolam do corpo, a novidade não precisa necessariamente ter a ver com samba. E surgiu a paradona.
Quando se falar da Mangueira 2012, ninguém certamente vai lembrar das fantasias ruins, dos carros pobres e mal-acabados e de uma certa confusão no deslocamento. Mas todo mundo vai lembrar a paradona.
Mas afinal o que é a paradona? É uma paradinha com duração surpreendentemente prolongada. A paradinha foi criada por Mestre André, da Mocidade Independente de Padre Miguel, no final da década de 1950, dizem que por acaso, para disfarçar um tombo que levou à frente da bateria, que o susto fez parar. A partir daí, bateria que se preza tem que fazer firulas e convenções. Em apresentações, ensaios e shows essas paradinhas fazem grande sucesso. No desfile são pura exibição de virtuosismo, já que, como sabemos, a função primordial de uma bateria é dar sustentação rítmica ao canto e ao deslocamento da escola.
A cada ano as paradinhas se estendem e se complicam e a gente se perguntava onde é que tudo isso ia parar. Este ano veio a Mangueira e mostrou, fazendo sua paradinha durar um período tão longo que o canto da escola pôde sobressair de forma interessante, acompanhado pelo som de um pagode de mesa, com seus instrumentos característicos, que ocupava um dos carros alegóricos, numa alusão não ao Cacique de Ramos, seu enredo, mas ao Grupo Fundo de Quintal, cujos componentes são exatamente os fundadores do bloco homenageado.
Foto: wilson Spiler
Só que o público não conseguia ouvir o pagode, precariamente amplificado, de modo que a primeira interrupção, problemática, soou mais como uma falha do sistema de som do que como uma bossa. A repetição acabou por fazer entender que a "falha" ocorria de maneira sistemática, dentro de uma lógica melódica, e aí já não se cantava mais o refrão para ajudar uma escola supostamente prejudicada pelo som da Avenida, mas sim para saudar a ousadia de uma novidade.
A segunda paradona foi a que deu mais certo, pois o canto da escola correspondeu, surpreendeu, emocionou. A terceira fez atravessar o canto e parece-me que a partir desse pequeno desastre passou a haver uma voz-guia quando a bateria e o carro de som paravam, para evitar que a tragédia harmônica se repetisse. E parte da graça se perdeu.
Eu vi isso, muita gente viu e comentou. Inovar é sempre correr risco. A Estação Primeira assumiu o risco e - quer saber? - se deu bem. Porque, sem dúvida, o sétimo lugar não foi por causa da paradona. Eu ousaria dizer que, apesar da paradona, ela não conseguiu senão um sétimo lugar. Mas alcançou um dos sonhos de todas as escolas: ser mais notada e mais comentada que as outras.
As lições que tiramos desse episódio apontam mais uma vez para a conveniência de se ter na Avenida um som menos agressivo, que deixe um pouquinho de esforço para o componente, pois nada pode substituir a beleza de uma escola cantando a plenos pulmões um samba de qualidade. E mostram que a mesmice, a imitação e a acomodação não são boas companheiras de folia. Mesmo quando a novidade consegue resultados tecnicamente discutíveis, o povo do samba a acolhe com entusiasmo. Neste carnaval só deu ela, a paradona da Mangueira.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PESQUISAR