Talvez
a longa ausência nem tenha sido notada, mas peço desculpas por ela. De
fato, andei numa fase de muito trabalho, em que as tarefas se sucederam
de um modo alucinante. Mas devo confessar que esta não foi a única razão
do meu silêncio de dois meses. Mais do que o tempo cronológico, me
faltou tempo interior para refletir e escrever sobre o assunto que mais
me mobiliza. Sempre que acaba o carnaval, se abate sobre nós uma
melancolia infinita, que eu sempre apelidei de depressão pós-momesca. Aí
vêm as festas de entrega dos prêmios, vêm os aniversários de várias
escolas e, para os devotos, vem a festa de São Jorge. Com isso vamos nos
distraindo até que se anunciam enredos e aparecem as sinopses, depois a
apresentação dos sambas, a disputa com as quadras funcionando a todo
vapor, e quando nos damos conta já é carnaval de novo.
Este ano para mim foi bem mais complicado, em razão da enorme
dificuldade que tive para me refazer do resultado do Grupo de Acesso A. E
não me refiro apenas à vitória da campeã, que até as pedras do
calçamento já sabiam de antemão quem seria, mas sobretudo ao não
cumprimento, pela Liesga, do regulamento estabelecido, patenteando a
arbitrariedade e os casuísmos que ponteiam nosso carnaval.
Não fui a única a me espantar com isso: na minha revolta tive
ilustres companhias, inclusiva a do prefeito da cidade, que se
manifestou publicamente contra a entidade de classe do Grupo de Acesso,
desqualificando-a para prosseguir a parceria com a prefeitura no tocante
à organização do desfile. E aí...
Todo mundo conhece a história do
marido que, ao encontrar a esposa traindo-o com seu maior amigo no sofá
da sala, perdoa a esposa e mantém o amigo, mas manda queimar o sofá...
Eis o que me veio à cabeça quando soube que o presidente da Lesga, por
mera coincidência também presidente da escola campeã, renunciou ao cargo
e para a diretoria foram os dois presidentes das escolas não
rebaixadas, as beneficiárias do "tapetão". E, para colaborar um pouco
mais para a queima do sofá, a Lesga não mais existe, aparecendo em seu
lugar a Lierj.
Ah bom! Então está tudo resolvido... Reginaldo Gomes não é mais o
presidente? Lesga não há mais? Então está tudo resolvido. As
justificativas dos julgadores, ainda hoje, que eu saiba, não divulgadas,
nem interessam mais... Ninguém fala mais no assunto. E a gente vai
ficando um pouquinho mais triste, um pouquinho mais descrente dos rumos
do carnaval.
Sinceramente, não consigo partilhar da crença de que se deve dar um
crédito de confiança a quem está assumindo agora. Porque não consigo
mais ser tão pura e ingênua a ponto de confiar em quem se beneficia de
casuísmos desse tipo. As coisas já começam muito mal e tenho o direito
de achar que ainda vão piorar.
Paralelamente o anúncio dos primeiros
enredos para 2013 não ajudou a me reanimar. Tomara que eu esteja sendo
injustificadamente pessimista, mas acho que o que está anunciado por aí
representa um grande retrocesso em relação aos dois últimos carnavais.
E, quando a gente imaginava que as escolas de samba estavam se
conscientizando da importância de escolher enredos com que os
componentes e o público pudessem se identificar, vem esse balde de água
fria que são os enredos do próximo carnaval. Balde não: jato de lavadora
de alta pressão.
Não consigo entender por que o carnaval do Rio é adepto da prática do
tiro no pé! Os dirigentes parecem empenhados única e exclusivamente em
levá-lo ao impasse e o pretexto para isso é a necessidade de
patrocínios, de mais e mais dinheiro. Já ficou provado que só dinheiro
não ganha carnaval. Portanto, não vamos esquecer que sem emoção, sem
participação e empenho, sem alegria, não há dinheiro que salve o
carnaval.
Tomara que eu esteja sendo saudosista e que tudo vá às mil
maravilhas. Às vezes tenho mesmo a sensação de que esta é questão. Por
exemplo, ao entrar na linda quadra reformada do Império Serrano, dotada
de todos os confortos de que as co-irmãs dispõem, me senti dividida: ao
orgulho e à alegria se misturou um incômodo sentimento de nostalgia de
um tempo em que não havia paredes de vidro separando o público do samba,
pois quem ia a uma quadra de escola de samba queria ouvir muito bem a
bateria, os intérpretes e o povão cantando na quadra e nem se importava
de suar um pouquinho. Ninguém pensava em se proteger do incômodo, porque
a alegria e a emoção valiam a pena. Mas deixa pra lá: as coisas mudaram
mesmo e deve ser melhor hoje do que outrora. Eu é que não estou
conseguindo enxergar.
De qualquer maneira, estou voltando com muita satisfação a este
espaço e prometo não falhar mais. É um privilégio dispor deste espaço ao
lado de colegas tão ilustres e poder dialogar com gente que, como eu,
põe o samba num lugar muito especial em sua vida.