A
São Clemente divulgou a sinopse para o Carnaval 2013. O enredo "Horário
Nobre", que homenageia as novelas da "Rede Globo", foi desenvolvido
pelo carnavalesco Fábio Ricardo. Confira.
Horário Nobre
''Tira o telefone do gancho, a gente se vê depois da novela.
Não estou, não aceito convite, que ninguém fale comigo.
Quero lagrimar, sorrir, torcer pelo par romântico, felizes para sempre!''
No
ar: novela e desfile de Escola de samba, dois triunfos da brasilidade
que rodam o mundo inteiro, como gloriosas narrativas artísticas e
populares, rituais que constroem a identidade do povão brazuca:
''Tamos'' juntos e misturados, porque não importa quem seja - patroa ou
empregada, vovô ou netinho; preto do asfalto, branco da comunidade; na
taba indígena, do Oiapoque ao Chuí, todos nos procuramos e nos
reconhecemos na mais legitima arte verde e amarela, carnaval e folhetim.
Então
vem comigo, me acompanha porque hoje eu sou novela: o ibope da São
Clemente não para de crescer porque ela não desliga nunca! De folhetim
em folhetim, há quase cinquenta anos, ouve-se ''silêncio no estúdio,
gravando''. Pois agora vai ser ''barulho no estúdio, sambando! Valerá a
pena me ver de novo.
Tem abertura, ações paralelas,
história central. A trama novelesca é um repertório de clichês, porque a
vida sempre imita a arte deste espelho mágico: o golpe da barriga, a
criança prodígio, a mocinha sofredora que vive sorrindo, metade do
elenco trabalhando numa empresa familiar, e na beira da morte o segredo é
revelado - a rica enjoada é teúda e manteúda, o bofe é tábua que leva
prego, o tipo que parecia honesto é o maior corrupto. Vale tudo, desde
que tenha empatia, pegue, emplaque! Tem estória de riqueza e pobreza,
pode ser moderna e retratar o passado, pode ser num tempo que ainda não
existiu, ou um reino que jamais existirá; tem pescador do litoral ou
vaqueiro do interior, gente do campo, da cidade. Arquétipos que não
morrem, eternos que são em nossos corações: personagens que até acabam,
mas não desaparecem nunca! Viva tantos conhecidos amigos que habitam a
memória emocional tupiniquim, porque todos nós temos em nossas famílias,
alguém que é a cara do personagem daquela novela, como era mesmo o
nome? Seja pelo carisma que despertou, por uma tirada cômica ou até pela
maldade extrema, tudo termina bem, porque a gente vai sempre se ver por
aqui.
Uma emoção plimplinizada na Sapucaí, que hoje vira
telinha de fábrica de sonhos: anunciando que vem aí mais um campeão de
audiência, nossa Escola samba o produto que mais faz a cabeça do Brasil,
em credibilidade e legitimação, pois além, de assistir, a gente repete
que nem papagaio o bordão da novela que gruda que nem chiclete, donde se
conclui que isso não é brinquedo, não: em todas as esquinas é
''inshalá, muito ouro!'' pra cá, ''na chon'' pra lá. Tô certo ou to
errado? Tô podendo... E quem fala, se veste, se penteia e se maquia
igual aos habitantes deste mundo mágico (quase real), que lança moda
transformando milhares de cidadãs em Jade ou Maya (dá-lhe lápis de olho e
rímel para marcar os olhos) que vão expor seus corpos na Medina ou em
Saramandaia Malta. É só dar uma olhadinha na barraca do camelô: não
esqueça salto alto e meias de lurex para ir a Discoteca, porque se o
figurino da TV ganhou as ruas, é sinal de que a trama ''vingou''.
Se
é para citar alguns, rápido vem a cabeça: o Brasil e um Bataclã,
Sucupira é Brasília e Odorico Paraguassú mora no Congresso Nacional!
João Coragem ficou com qual das três Glória Menezes? Ravengar tem caso
com a Rainha Valentine? Gabriela não podia ter traído Seu Nachib; Ih, a
Perpétua é Careca, Tieta arrancou-lhe a peruca; Natasha era uma vampira
muito gostosa, e Isaura, uma escrava que nasceu branca. E pela última
vez, quem matou a praga da Odete Roitman ou o querido Salomão Hayala? É
que sem um bom vilão não tem namoradinha do Brasil que sobreviva, porque
maldade e bondade são irmãs gêmeas (tipo Rute e Raquel) deste universo
verossímil, ainda que nele, a gorda Dona Redonda possa explodir, e muita
gente voltar da morte.
Como será que termina? O último
capítulo é um frisson nacional, a opinião pública mobilizada com todo
Brasil parado diante da televisão: vilão castigado (morre, enlouquece,
se arrepende ou foge) e cena de casamento do mocinho com a heroína (só
podem ficar juntos no final). Todo brasileiro tem um pouco de autor de
dramalhão, até desconfia como termina, mas isso não tem a menor
importância. As cenas da próxima novela mostram que na segunda-feira
começa tudo de novo, e não percam o primeiro capítulo.
Somos
os filhos de Janete e Dias, sobrinhos de Ivani! Tomara Deus, o Beato
Salú e a Venus Platinada, que nunca deixaram de nascer os maravilhosos
autores. Semeadores do sonho, são criadores que democratizam as questões
urgentes para o nosso povo (drogas, aids, trabalho infantil,
coronelismo, reforma agrária, corrupção política, minorias, racismo
etc), e ajudam essa galera a compreender sua maravilhosa gênese de ser:
tudo brasileiro noveleiro, cujas vidas são obras em aberto, assim como
as novelas.
Milton Cunha, a partir da ideia de Roberto Almeida Gomes.
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