Não é tão simples a análise do ranking de notas no quesito enredo dos últimos cinco anos. Fazer somas e divisões, como nos demais quesitos, me é penoso, já que não sou de números, mas a calculadora ajuda um bocado. Difícil é a leitura crítica do resultado, pois constatar que determinada escola foi agraciada com boas notas nesse quesito não quer dizer muita coisa. Ou, ao contrário, pode ter inúmeros significados.
Primeira questão: de quem é o enredo? O enredo, sua elaboração e desenvolvimento, depende em grande parte do carnavalesco. Mas carnavalesco não é sinônimo de escola. Como sabemos, há rotatividade a cada ano. Poucos são os casos, nos cinco anos analisados, de permanência: a Comissão de Carnaval de Laíla na Beija-Flor, Renato Lage no Salgueiro e Alex de Souza na União da Ilha.
No entanto, não depende só do carnavalesco, pois muitas vezes o que vai para a Avenida não é um enredo autoral e muitas vezes o pobre profissional tem que se virar para transformar em carnaval o abacaxi. Em contrapartida, às vezes recebe de presente de algum segmento da escola, quase sempre um departamento cultural, uma ideia de enredo que nunca lhe ocorrera, e que dá certo.
Além do mais, mesmo quando o carnavalesco desenvolve um enredo seu, que garantia temos de que o que passa na nossa frente é sua ideia original? Que percentual dessa ideia conseguiu ser perfeitamente executado? A falta de recursos é a causa mais comum, mas atropelos de toda ordem se interpõem entre sonho e realidade. Partindo da premissa de que no quesito enredo não é apenas o carnavalesco que é julgado, mas também a capacidade da escola de transformar o projeto dele em carnaval, vamos simplesmente apresentar as médias das notas obtidas pelas agremiações. Não se trata, pois, de um ranking de carnavalescos, mas de um ranking das escolas no tocante ao seu desempenho no quesito enredo.
Consideradas, mais uma vez, apenas as 11 escolas que permaneceram no Grupo Especial no período de 2011 a 2015, o critério utilizado foi a soma de todas as notas atribuídas a uma determinada escola no quesito e a divisão pura e simples pelo número de notas somadas. Isso quer dizer que não foi levado em consideração o critério de descarte utilizado em alguns anos. Portanto, o divisor foi, na maioria dos casos, 21: quatro notas em 2012, 2013, 2014 e 2015 e cinco notas em 2011. Mas, para três escolas, o divisor foi apenas 16, pois em 2011 elas não foram avaliadas, em virtude de um incêndio que atingiu a Cidade do Samba pouco antes do carnaval, danificando alguns barracões.
Curiosamente, neste quesito se verificaram vários empates, havendo, pois, a necessidade de levar em consideração mais casas decimais, o que não evitou o empate, na primeira posição, de duas escolas que pontuaram de forma idêntica:
É interessante observar que, das 11 escolas analisadas, 8 tiveram média 9,9. Se não avançássemos casas decimais, o empate seria gigantesco. A primeira explicação que me ocorre é a quantidade de notas 10 atribuídas neste quesito pelos julgadores. Embora, ao contrário do que ocorreu no quesito samba de enredo, nenhuma agremiação tenha tido no período um enredo com a totalidade de notas 10, é espantosa a facilidade com que a nota é atribuída. Foram 92 notas 10, num universo de 216 notas lançadas. Mais de 40%. Se a essas somássemos também os 9,9, que foram 59, seriam 151 notas, 70% do total.
A partir desses dados, podemos afirmar que os julgadores estão muito satisfeitos com o desempenho das escolas neste quesito. Meu espanto vem do fato de que o quesito enredo é um dos mais complexos para julgamento, pois muitos fatores estão em jogo. Ficamos com a sensação de que a excessiva benevolência observada no julgamento deste quesito talvez se explique pela visibilidade e exposição na mídia que os carnavalescos adquiriram, tornando-se celebridades e até mesmo mitos. Reconhecimento muito justo e louvável. Mas o papel do julgador é não se deixar impressionar ou intimidar por isso e analisar criticamente o que se desenrola à sua frente, para que este não se torne um quesito de menor importância. Outros quesitos, como bateria, porta-bandeira e mestre-sala, comissão de frente, alegorias e fantasias, têm apresentado, creio, um julgamento mais técnico. Não seria o caso de intensificar o treinamento dos julgadores do quesito enredo, para restituir a ele a importância fundamental que tem?
Aproveito para falar de uma prática de nosso sistema de julgamento que tem me incomodado demais nos últimos tempos: por que a nota 10 não é justificada? Imaginemos que duas escolas, em nossa visão, tenham apresentado a mesma falha num determinado quesito. Passado o carnaval, tornadas públicas as justificativas, procuramos o que o julgador penalizou nas duas. Na escola A, lá está apontada a falha que observamos, causando perda de décimos. Na escola B, nada foi dito, porque ela teve 10. Ora, a nota máxima, mais que qualquer outra, carece de uma justificativa.
No caso de enredo, estão em jogo, entre outras coisas, a criatividade, a abordagem, a inteligibilidade do desenvolvimento, a clareza da relação de fantasias e alegorias com o tema tratado e a coerência com o roteiro previamente apresentado pela escola. Não é pouco. Com a ajuda de gravações, podemos facilmente comprovar que alguns desses requisitos andam meio ausentes de nossos desfiles recentes, mas estranhamente isso não se reflete nas notas analisadas
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