terça-feira, 25 de dezembro de 2012

Em busca do refrão perdido e as vítimas do próprio veneno



No começo de tudo... Quando tudo não passava de manifestação de classes menos favorecidas em busca do espaço público, quando o bloco reunia um mosaico de indivíduos marginalizados, unidos na dor, na discriminação e na resistência, surgiu um ritmo com a cara do Brasil recém republicano, querendo se modernizar e escondendo as cicatrizes de quase quatro séculos de escravidão: O samba, que mais tarde fez escola, transformou-se, graças a Paulo da Portela, em samba de enredo.
Os primeiros sambas que as escolas desfilaram não eram propriamente integrados ao tema proposto por cada escola, se é que este tema existia, posto que não fosse uma obrigatoriedade. No regulamento do histórico desfile de 1932 promovido pelo jornal "O Mundo Esportivo", do jornalista Mario Filho, havia a possibilidade de apresentação de até três sambas por agremiação.
Estes sambas eram, quase como uma regra, divididos em duas partes: a primeira cantada pelo coro da escola e a segunda que pertencia ao solista ou improvisador e assim permaneceu por muito tempo o carnaval da Praça Onze, até que em 1939 dois quesitos começaram a atuar em comunhão: Enredo e Samba, com o Teste do Samba portelense surgia uma tendência e a partir disto os sambas começaram a ser um por cada escola e ligados inteiramente ao enredo da agremiação. Daí surgiram sambas muito extensos e extremamente descritivos, lençóis, nota-se que nesta época não haviam repetições de frases no corpo dos sambas, os estribilhos.
Silas de Oliveira não compunha sambas com refrão, Antonio Candeia Filho no começo também não, Martinho da Vila, que era da Boca do Mato, aumentava este coro, mas também pode-se dizer que reinventou, em sua época, o gênero, por torná-lo mais leve e inovador ao "bizar" os versos do fecho de ouro. Agora surge a interrogação, quando então o refrão passou a ser utilizado com freqüência? Precisar está além do meu conhecimento, porém é de certo que o início da década de 1970 traz luz ao assunto e popularidade. O Skindô lá lá Skindô lê lê de Catoni, Jabolo e Valtenir foi campeão, porém, coube ao salgueirense Zuzuca ter papel de suma importância em refrões como: Pega no Ganzê e Tengo Tengo.... A revolução vinha a galope com um modelo de samba mais curto e com apelo popular, por isso nenhuma escola passou incólume a este processo.
Foto: Diego Mendes
David Correia
E assim ano após ano os refrões tornaram-se sensação do long play das escolas de samba, que em três décadas rivalizou com o disco de Roberto Carlos nos pedidos de amigo oculto ou papai Noel, e fez ecoar pelo quatro cantos deste país o "carro chefe dos
sambas". David Correia obteve grandes vitórias capitaneadas por refrões imbatíveis; Helio Turco e Jurandir marcaram época com o Balancê, Balancê... A Mocidade fez bonito: Quero ser a pioneira... Mas ninguém conseguia chegar perto da alegria da União da Ilha do Governador de Didi, Franco e Robertinho Devagar entre tantos outros grandes nomes e os Acadêmicos do Salgueiro de Bala, Celso Trindade, Dema Chagas e seus parceiros. Festa profana desnudou a censura, a Beija Flor proclamou Sou da vida um mendigo, da folia eu sou rei... Liberdade, liberdade... Foi lindo; Explode Coração... Um rolo compressor e Pedras preciosas... A essência maior da poesia das escolas de samba.
Foto: Diego Mendes
Claudio Russo, Zé Luiz, Katia Paz e Mauricio Mattar
Na última segunda-feira durante a festa de lançamento do CD das escolas de samba da Série A percebi o que parece ser o óbvio: o compositor não pode, não deve se permitir ser refém desta procura desenfreada pelo refrão dos sonhos, como se isto fosse a sua galinha dos ovos de ouro. O samba enredo não sobrevivera por muito tempo se nós não procurarmos soluções às receitas pré moldadas de cabeça, refrão, segunda e refrão. Temos que ver um samba como uma obra de arte em seu todo, sem que tenha uma ou outra parte com mais importância que as demais. Sou parte do processo e assumo minha culpa, de forma alguma me vejo como vítima e tenho o dever de procurar a mudança. Foi nesta festa que tive a satisfação de agradecer a presidente Katia Paz por reeditar na União do Parque Curicica o enredo da Portela 1994, para mim é um orgulho ter 23 anos de samba e já ver e ouvir uma obra minha passar pela segunda vez na avenida de desfiles. Esta reedição só aumenta a minha responsabilidade em continuar tentando fugir dos padrões.
Foto: Diego Mendes
Diego Nicolau e David do Pandeiro
Na última segunda-feira a Unidos do Viradouro de Gustavo Clarão, que muito antes de ser presidente já era Músico e um dos maiores compositores de minha geração, me fez acreditar no diferente, o que foge do lugar comum, o inesperado. O samba da vermelho e branco de Niterói tem um estribilho e nenhum refrão, traz um novo olhar sob nossa arte de compor e ouvir, é acima de tudo autentico! Chega! O caminho a Portela vem trilhando desde a subida ao Pelô, na Vila André ensaia novos voos, em Nilópolis tradicionalmente inclinada a sambas densos em tom menor parece que o processo de ruptura e a busca de um outro estilo caminha a passos largos, amigos há tantos compositores que podem nos mostrar um novo acorde, uma nova construção...
Me bateu uma vontade de escutar o Laia, Laia e o Ô Ô Ô dos grandes sambas sem refrão, mas antes venho desejar um feliz natal e um 2013 de saúde, paz e realizações para todos os leitores, lembrar que só falta um pouco mais de um mês para o carnaval e mais uma vez o coração vai descompassar quando o Neguinho cantar: Olha a Beija Flor aí gente... Enquanto houver esta emoção, enquanto existir este amor ao dom de compor que Deus me deu: vou preservar e manter a chama da inspiração focada em nossos primeiros sambistas, pioneiros compositores de samba enredo.

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