No palco se reuniam o tradicional, representado pelo veterano Monarco, e o moderno, na pessoa do compositor André Diniz, representante de uma geração de sambistas mais pragmáticos, para dizer o mínimo. Entre os dois o escritor e pesquisador Luiz Antonio Simas, que por conhecer do riscado deu ele próprio uma importante contribuição ao debate, com intervenções pertinentes e criativas.
O interessante é que os palestrantes assumiram seus papéis com convicção, ou seja, Monarco recordou o passado, com menção inspirada ao genial Silas de Oliveira, no que toca ao samba enredo, e a inúmeros excelentes sambas de terreiro, depois chamados sambas de quadra e hoje desaparecidos como gênero. Sambas nascidos no seio das escolas, pois passavam pelo crivo, por exemplo, do exigente Natal, que proibia a execução na Portela daqueles que reconhecesse como coisa de fora. "Isso é do rádio", fulminava.
Cuidadosamente Monarco evitou emitir qualquer opinião ou juízo de valor sobre a atualidade. Só lamentou as mudanças verificadas, com justificada nostalgia de um tempo em que quem decidia a disputa de samba enredo eram as pastoras.
André Diniz, por seu turno, deu à plateia uma visão muito clara e realista do que significa fazer samba na atualidade. Ouvindo-o, a gente chega à conclusão de que vida de compositor não é nada fácil. A começar pela fragilidade dos enredos: "é difícil fazer samba sobre cabelo", suspira ele. Ou sobre o que se convencionou chamar de CEP (cidade, estado e país). Em contrapartida, os ganhos já não são mais astronômicos, como na década de 1980. Há escolas de samba que ficam com 60% dos direitos do samba. Reclamar com quem? E não é apenas isso que incomoda, mas também o andamento em que o samba é executado e a qualidade da gravação.
Outra questão incômoda é o processo de escolha do samba em cada escola. A parceria que não levar torcida é cortada, independentemente da qualidade do samba. Mas também pode acontecer de a parceria levar 30 ônibus e perder para um amigo do presidente ou da primeira dama. A frase que resume as queixas é contundente: no circo da disputa, o compositor é o palhaço.
Igualmente incômoda é a falta de clareza dos critérios de julgamento do samba no desfile, que nunca foram debatidos com a comunidade de compositores das escolas de samba. O formato quase obrigatório hoje, duas partes, um refrão entre elas e outro no final parece ser uma fórmula infalível, mas, segundo André, cabe aos compositores modificar isso, como lutar para que do processo de escolha só participe quem efetivamente pertence à escola, sem torcida de aluguel.
À pureza de Monarco, que nunca faria samba para concorrente da sua Portela e que se reporta a um tempo em que havia "uma solidariedade bonita no samba", esperava-se opor, na pessoa de André Diniz, a frieza e o profissionalismo dos "escritórios" de fazer samba. O que se viu foi um sambista que tem uma reflexão sobre o que faz, sobre o papel das baterias e harmonias no andamento do samba, sobre a participação às vezes pouco respeitosa de alguns intérpretes, que tomam liberdades com o samba, e sobre o que classificou como a colaboração da transmissão da Rede Globo para a decadência do espetáculo.
Acima de tudo ali estavam dois sambistas apaixonados por suas escolas, em busca de uma solução para o impasse que vive o samba enredo na atualidade. Se Monarco opta por se afastar de disputas, André Diniz lamenta uma realidade que leva os compositores a "se organizarem" em parcerias (parceria organizada seria uma eufemismo para o termo "escritório"?), embora não gostem disso.
Este segundo encontro do evento foi marcado por uma maior participação do público, bem mais à vontade e mais motivado para o debate do que no encontro de maio. Só é preciso um pouco de cuidado para que a participação improvisada e desorganizada da plateia não descambe para confusão e prejudique os que lá foram interessados em ouvir as personalidades anunciadas no programa.
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