REEDITAR OU NÃO? EIS A QUESTÃO!
Estamos naquele período em que as escolas começam a escolher os enredos para o próximo ano, e a pergunta que não quer calar é: Vale a pena ver (e ouvir) de novo? O assunto é bastante polêmico, e divide opiniões. Muitos são os que defendem e os que atacam as reedições, e argumentos não faltam de ambos os lados. Os que a defendem, alegam que as safras atuais de sambas enredo não são tão boas como as de antigamente, e que a cadência do samba se perdeu totalmente. Defendem ainda, sob o argumento de que as escolas mais tradicionais estão relegadas a segundo plano, e devem valer-se de seu passado para que possam ser respeitadas. O bloco dos que são contra é composto por aqueles que não toleram o ''oba-oba'' criado em torno dessas reedições. É um tal de escola de fulano cantar samba de cicrano, que daqui a pouco ninguém vai saber direito qual samba pertence a qual. Há ainda os que alegam que as reedições não deram certo, como se o resultado da apuração fosse o único critério a ser utilizado para julgar o desempenho de uma escola na avenida.
Enfim, existem outros argumentos. O tema, numa mesa de bar, gera assunto para um dia inteiro. Da minha parte, devo dizer que sou a favor das reedições, mas faço algumas ressalvas. Sou absolutamente contra uma escola cantar samba de outra. O samba-enredo é uma espécie de patrimônio de uma comunidade, algo que serve para identificar uma escola e é transmitido de geração em geração anos a fio. Muitas agremiações ditas pequenas do carnaval carioca, sobrevivem até hoje graças a hinos que foram compostos no passado, e que ajudam a identificá-las em qualquer debate sobre os melhores sambas de todos os tempos. Ocorre que determinadas agremiações acham-se no direito de apropriar-se de uma parte da história de outras, como se o fator dinheiro pudesse falar mais alto que a emoção nessas horas. Como foi estranho ouvir o CD das escolas de samba esse ano e escutar ''A Festa do Círio de Nazaré'' com alusivos do tipo, ''Alô Niterói!'', ''Alô São Gonçalo!'', ''Olha a Viradouro chegando!''.
Já disse, e repito, que nada tenho contra essas cidades. Niterói, por exemplo, é o nascedouro de bambas como Bide e Ismael Silva. Tinha, até meados da década de 80, um belo desfile de escolas de samba. Lá também existem focos de resistência do samba de raiz, como a casa de samba Candongueiro, em Pendotiba, e a quadra da escola Acadêmicos do Cubango, que abriu mão de crescer por não querer se desapegar de suas raízes.
Voltando ao assunto, a questão está relacionada ao fato de que é muito estranho você ver uma comunidade cantando o samba da outra. É como se a história de um povo pudesse ser contada por outro, tudo em nome da ganância. E para isso usam como desculpa uma suposta homenagem. Alegam que estão colocando as co-irmãs na mídia, mas na prática o que querem fazer é justamente o contrário. Confesso que foi muito esquisito quando, as vésperas do carnaval, estava no ônibus cantarolando o ''Círio'', quando veio um cara me perguntar: "Você vai sair na Viradouro esse ano?".
Outra reedição que eu não engoli (e quase ninguém o fez) foi a de ''Contos de Areia''. Portela e Tradição sempre viveram as turras, desde que a segunda foi fundada pelo filho de um dos maiores expoentes da primeira. Nésio do Nascimento nunca escondeu de ninguém que, nos primeiros anos, seu objetivo era o de construir uma ''nova Portela'' no bairro de Campinho. Só que a Portela, a nossa Portela querida, é insubstituível, Tá assim de escola por ai tentando imitá-la, sem êxito. Nésio parece ter se dado conta disso apenas esse ano, decidindo por fim a briga. Tudo estaria muito bem, se para isso não tivesse se utilizado daquele que, a meu ver, é o melhor samba da escola em todos os tempos. E se a Portela quisesse um dia reeditá-lo. Não ia poder mais, né?
No que diz respeito as reedições de Portela e Império, apesar do resultado oficial, acho que foram bem sucedidas. Cada componente das escolas cantou a plenos pulmões, e foi bonito vê-los aos prantos na concentração. As duas escolas de Madureira foram premiadíssimas, o que nos prova que as reedições foram bem aceitas e vieram para ficar. Dias depois do carnaval, circulava a informação de que a Portela já tinha no forno a reedição de ''Passargada, o amigo do rei'', e o Império a de ''Heróis da Liberdade''. Fui contra. Acho que as escolas não devem ficar todo ano reeditando, sob o risco de caírem na mesmice. Também pode acontecer de ficarem presas à reedição, como se não tivessem competência para fazerem coisas novas, o que nem de longe é verdade. As duas agremiações possuem excelentes compositores. Estão aí suas alas, que não nos deixam mentir. Acho, então, que se uma escola reeditou um ano, deveria ficar sem reeditar no outro, senão perde a graça.
Para o ano de 2005 algumas reedições já estão confirmadas. A maioria delas será no Grupo B, a terceira divisão do samba carioca. A Estácio de Sá já confirmou a reedição de ''Arte Negra na Legendária Bahia'', samba de 1976. O Arranco vem de ''Quem vai Querer'', de 1989, ano em que esteve pela última vez no desfile principal. Teremos também Unidos da Ponte, com ''E eles verão a Deus'' (83), e Unidos de Lucas, com ''Sublime Pergaminho'', de 68, presença certa em todas as listas de melhores sambas de todos os tempos. Beleza! Teremos um dos melhores desfiles de terça dos últimos anos. Com certeza a avenida não estará tão vazia como das últimas vezes, podem apostar. Outra escola que irá reeditar será a Unidos do Porto da Pedra. O samba escolhido foi ''Festa Profana'', da madrinha União da Ilha. Esse samba, para os que não se lembram, é aquele que diz: ''...O sol que brilha/Essa noite vem da Ilha...''. Peraí, mas como vai vir da Ilha se a Porto da Pedra é de São Gonçalo?!? Deixa pra lá...
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