terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Padre Miguel colhe o que planta (ou planta o que colhe?)


Uma análise ao samba da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval 2011

"Parábola dos Divinos Semeadores"
Autores: J. Giovanni, Zé Glória e Hugo Reis
Uma luz no céu brilhou, liberdade!
Meu coração venceu o medo
O que era gelo se tornou felicidade
A esperança se espalhando pelo chão
A natureza tem mistérios e magias
Rituais, feitiçarias, deuses a me abençoar
Levado pela luz da Estrela Guia
Eu vou por onde a semente germinar

O que eu plantei, o mundo colheu
Um milagre aconteceu (
bis)
A vida celebrou um ideal

E a fartura se transforma em festival

Festa de Ísis, a Farra do vinho
Até em Roma a semente foi brotar
Mudaram meu papel, oh Padre Miguel
Hoje ninguém vai me censurar
O baile da máscara negra
Até a nobreza teve que engolir
Meu Brasil, de norte a sul sou manifestação
Aonde vou, arrasto a multidão
De cada cem só não vem um
Vou voltar, um dia ao espaço sideral
E reviver o meu Ziriguidum, em alto astral

Tá todo mundo aí?
Levante a mão

Quem é filho desse chão (
bis)
Chegou a Mocidade, fazendo a alegria do povo

Meu coração vai disparar de novo

“Chegou a Mocidade, fazendo a alegria do povo, meu coração vai disparar de novo”... Time que está ganhando não se mexe! Este é o retrato da Mocidade Independente de Padre Miguel para o carnaval de 2011. No Carnaval passado, a escola conquistou uma boa posição na classificação mesmo a desfilar em um dos piores horários, e isto de certa forma influenciou muito na escolha do samba, que tem a mesma “cara” do samba de 2010 (apesar de ser inferior): uma letra “pra cima” e talvez a melodia mais alegre da safra. Mas até que ponto isto é bom? Uma análise minuciosa da letra permite afirmar que existe uma relação de interação e pertinência entre o samba e o enredo, o que o torna, portanto, pelo menos “funcional”, entretanto fica evidente uma substituição de informações relevantes por versos apelativos em sua essência. Em suma, os métodos adotados por J. Giovanni, Zé Glória e Hugo Reis, que poderiam utilizar dos mecanismos da irreverência ou do lirismo, acabaram por outro mecanismo, que é o da música populista (diferente de popular). Qual seria a função, por exemplo, do verso “Tá todo mundo aí? Levante a mão”, se não, uma tentativa de chamar a atenção e causar aquela primeira impressão que nunca funcionou (pelo menos não nas proporções desejadas)? Outros versos evidenciam essa comunicação apelativa: “de cada cem só não vem um” e o “Meu coração vai disparar de novo” (uma referência ao samba de 2010 – “meu coração vai disparar, sair pela boca”), onde em ambos os casos, não existe relação direta com a proposta do enredo e, por conseguinte, acaba quebrando seqüencias de informações provocando confusão de idéias. Outro exemplo da carência da inspiração na poesia dessa obra é aquele grito de “liberdade”, seguido de uma rima com “felicidade” (pobre e usual), ou quem sabe o velho clichê “mistérios e magias” (só faltando o “lendas” pra completar). O verso “O que era gelo se tornou felicidade”, também apresenta uma qualidade discutível (mas devemos respeitar a licença poética, ou a falta de poesia?). Em meio a esse sanduíche de clichês, vamos às qualidades: destaco a melodia leve e fácil de cantar, sobretudo, a que acompanha a segunda estrofe, apesar da necessidade de acelerar o ritmo. Enfim, diante dos problemas, um samba para se pular muito na avenida, onde acredito que deverá funcionar, já que ele foi composto exclusivamente para isto. Como admirador da boa poesia, peço licença para dizer que a Mocidade me decepcionou este ano.
 
Até a próxima!
 

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