domingo, 27 de fevereiro de 2011

Dona da década, Beija-Flor consolida apelido de Deusa da Passarela


Foto: LiesaAntes de virar o século, a Beija-Flor figurava apenas como uma das grandes escolas de samba do Rio de Janeiro. Tal posição de destaque era uma herança dos bonitos carnavais que apresentava desde que subiu para o Grupo 1 (atual Especial), em 1974, de onde nunca mais saiu - tendo obtido o pior resultado de lá para cá em 1992, com um sétimo lugar. No ano de 1999 começa o que poderia ter terminado em tragédia para a fiel comunidade de Nilópolis: um vice-campeonato seguido de outros três - dois deles, claro, já no século XXI. Parecia que nada ia mudar, e tinha gente até pensando em desistir...

- Todo mundo na Beija-Flor pensou em abandonar, porque fazíamos carnavais fantásticos e não levávamos nunca. Araxá (1999), por exemplo, foi lindo demais. Claro que deu vontade de desistir, todo mundo pensava em parar, diziam "não vamos ganhar nunca". A comissão de carnaval pensou em se desfazer, achavam que estavam prejudicando a escola, sempre perdendo por meio ponto, e isso ficava muito na nossa cabeça - revela o homem forte da escola da Baixada, Laíla.

"Nasce então
Poderosa guerreira
E desenvolve seu trabalho social"

Mas aí chega o ano de 2003. O enredo "O povo conta a sua história: "saco vazio não pára em pé". A mão que faz a guerra faz a paz" não inspirava muita confiança aos olhares de especialistas e pessoas do mundo do samba. Contudo, foi aí que veio a surpresa. Aliás, grata surpresa para a nação nilopolitana. Um título com sabor de "alívio", como prefere chamar Selmynha Sorriso, porta-bandeira da escola há mais de 15 anos.

Avante com a tribo Beija-Flor

A conquista era tudo o que a Beija-Flor precisava para embalar nos anos seguintes. Vinha 2004, ano de algumas transformações no conceito do carnaval. Primeiro porque um gênio surgia para o mundo: na Unidos da Tijuca, Paulo Barros impressionava o público com o carro do DNA. Segundo que a Liga passava a permitir a reedição de sambas, e com isso algumas escolas se aproveitariam de grandes obras, como foi o caso do Império Serrano, com "Aquarela Brasileira". Mas era o momento de provar que uma nova Beija-Flor tentava se posicionar de vez. E com um desfile empolgante sobre a Amazônia, no enredo "Manoa, Manaus, Amazonas - Alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz", a comunidade de Nilópolis explodia em festa rumo ao bicampeonato.

- Em termos de carnaval, meu preferido é 2004. Pelo enredo, pelo samba que era belíssimo, foi muito vibrante, muito emocionante. Falar da Amazônia como falamos foi demais. Sem contar o título do enredo, que era muito legal. Choveu muito e bem na hora de a Beija-Flor entrar na Avenida, mas deu tudo certo. Para mim, as alegorias foram nosso maior destaque naquele ano - lembra Fran Sérgio, um dos dois únicos que viveram as cinco conquistas, ao lado de Ubiratan Silva, o Bira.

"Clareou...
Anunciando um novo dia
Clareou...
Abençoada Estrela Guia"

Não podemos dizer que o tricampeonato, em 2005, representava um novo dia na história da Beija-Flor - em 1978, a escola já havia conquistado sua primeira sequência de três títulos, vencendo também em 76 e 77. Mas não deixa de ser um momento histórico da década. Era a segunda vez que uma escola levava o tri nesses dez anos - a Imperatriz comemorou o feito em 2001, após vencer em 99 e 2000 - no entanto, as três taças da Beija vinham na mesma década.

Com o enredo "O vento corta as terras dos pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito guarani. Sete Povos na fé e na dor... Sete missões de amor", a agremiação da Baixada fazia história, levando para a Avenida um samba emocionante, assinado por 11 compositores (houve junção de parcerias). E foi emocionante em especial para uma pessoa. "Na fé e na dor", Selmynha exibia a bandeira da escola apreensiva. Por uma infeliz coincidência, o tricampeonato para ela não teve tanto sabor de vitória.

- O título que me marcou mais foi o de 2005, que foi o ano que a minha mãe (Dona Jacira, 52 anos, vítima de um AVC) faleceu. Ela entrou em coma no domingo de carnaval, desfilei com a mesma força e comprometimento e recebi a notícia da morte dela na quarta-feira. Junto com as ligações de alegria do título vieram as de pêsames. Tive que ter frieza como um ator no palco, foi muita superação, mas que não pude comemorar. Foi um ano que eu torci para que acabasse logo - lembra a emblemática figura da Beija-Flor.

Um ano na seca e mais um bicampeonato

O enredo do ano seguinte, "Poços de Caldas derrama sobre a Terra suas águas milagrosas: do caos inicial à explosão da vida, a nave mãe da existência", não foi suficiente para manter a escola no topo. Vila Isabel, que se sagraria campeã, e Grande Rio, pela primeira vez vice, entraram rasgando a Avenida e tentando provar que o domínio não era total de Nilópolis. Mas assim como Poços de Caldas no enredo, a Beija Flor era a referência no carnaval. A quinta colocação faria com que a escola voltasse em 2007 disposta a retomar o apelido de Rolo Compressor.

"Áfricas, do berço real à corte brasiliana" apresentava-se como um enredo rico, com as características que marcaram os carnavais da Beija-Flor. A disputa não seria fácil. E nem as provocações que viriam a seguir. O título do carnaval de 2007 foi bastante contestado, muitos se sentiram insatisfeitos com o resultado. Mas para a escola, aquilo era apenas a volta da campeã. Tanto é que em 2008, com "Macapaba - Equinócio Solar. Viagens fantásticas ao meio do mundo", a Beija repetiu a dose, com um resultado mais apertado, é verdade, mas o suficiente para levantar o caneco e gritas de novo "bicampeão".

- Guardo grandes emoções do carnaval de Macapaba, porque era um fato inédito falar daquela cidade. Pegar um estado sem grande expressão no país, uma cidade que quem chega lá não imagina o que aquilo representa, então foi um trabalho de rastreamento da história. Descobrir que o Brasil foi descoberto lá no Amapá e não em Porto Seguro, como a gente aprende na escola, foi muito bacana. E mais: fazer aquele link do beija-flor brilho de fogo foi uma feliz coincidência com a nossa escola, porque é uma espécie que só existe naquela região. Foi realmente um enredo interessante de desenvolver - recorda o carnavalesco Alexandre Louzada.

A Deusa da Passarela

Essa série de vitórias - cinco em seis anos - comprovou a tese de que a Beija-Flor é a Deusa da Passarela. Mais que isso, a escola tornava-se em 2008 a dona da década. Mas para Laíla, não é de palavras que se faz uma escola de samba.

- Eu não entro nesse "endeusamento". Não adianta pensar em ser Deus e não ter brilhantismo, não ter um grande samba, não fazer um grande carnaval. Desfile tem obrigação de ser bonito, de ser um espetáculo para o povo. Para mim, não é a Deusa, é só a Beija-Flor de Nilópolis - avalia.

E a humildade de Laíla se baseia também num jejum - se é que assim podemos chamar - de títulos da escola. Para ele, a disputa no carnaval está cada vez mais acirrada, e por isso está na hora de a agremiação levantar outra taça de campeão.

- Não sou perdedor, não que eu não saiba valorizar a vitória dos outros, mas não gosto de perder, sinto obrigação em ganhar. Todo mundo está achando seus caminhos, sabe-se que a concorrência é muito grande e a gente sabe também que está tudo mais difícil. Já está começando a incomodar não ganhar há dois anos - assume Laíla.

Mais do que uma escola, a Beija-Flor passou a ser um centro de cidadania na Baixada Fluminense. Não seria exagero, portanto, dizer que não é Nilópolis que tem a Beija-Flor, e sim a Beija-Flor que tem uma cidade.

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