domingo, 27 de fevereiro de 2011

Carnavais do século XXI: 'Arriba, Vila!'

Se contassem esta história para Seu China - fundador da Vila - ele dificilmente acreditaria.  Após anos como uma escola simples, humilde e que não incomodava os bichos-papões do carnaval carioca, a Vila mudou. De Gata Borralheira para Cinderela, a escola desabrochou de vez em 2006 conquistando seu segundo título. Claro que esta mudança não foi igual um feitiço de contos de fadas.  Dos primeiros ensaios ainda na casa de Seu China até a sua gigantesca quadra em forma de Pirâmide, a escola precisou se profissionalizar e acompanhar os "novos tempos". 

Foto: LiesaCom uma boa ajuda - leia-se financeira - da estatal venezuelana PDVSA, a escola desenvolveu o enredo "Soy loco por ti America - A Vila canta a latinidade" de "cara nova". Carros grandes e fantasias luxuosas com a assinatura do carnavalesco Alexandre Louzada  contrastaram com aquela Vila pobre, mas sempre aguerrida, dos tempos de "Kizomba". No enredo campeão de 2006, a Vila mostrou a cultura latina antes mesmo da chegada dos colonizadores europeus até o resultado da miscigenação entre os povos. O diretor de barracão da escola Junior Schall relembra uma história engraçada envolvendo o presidente da Venezuela, Hugo Chávez que bancou o enredo da Vila através da PDVSA.

Foto: Liesa- Quando nós acabamos o desfile das campeãs, parte da escola foi para Cidade do Samba onde uma equipe de filmagem da Venezuela nos aguardava. Fizemos um show na madrugada mesmo. Eu sei que o Hugo Chávez queria muito levar a escultura do Simón Bolívar para Venezuela.  A escultura tinha 12,75m e passava a 20cm da Torre de TV. Mas não havia condições de transportar por avião nem por mar. A escultura não foi projetada para isso - disse Junior Schall que junto com Ricardo Fernandes e o próprio Louzada foram contratados pela Vila após participaram do desfile da Porto da Pedra no ano anterior.

"Sangue caliente" corre na veia
É noite no Império do Sol
A Vila Isabel semeia
Sua poesia em 'portunhol'"

É possível que a grandiosidade da Vila daquele ano não seria possível sem a inauguração da Cidade do Samba. As escolas ganharam mais espaço e infra-estrutura para realizar seus carnavais. Na nova fábrica dos sonhos, Junior ainda lembra que teve ao lado do carnavalesco Alexandre Louzada dias antes do desfile oficial.

- Estávamos numa indecisão sobre a cor do chão do quinto carro. No desenho original, seria amarelo canário, mas o Alexandre quis deixar isso por último. Na última semana, resolvemos subir aquela varanda da Cidade do Samba, mas o Alexandre não queria.  Nós nunca tínhamos ido lá. Parece uma bobagem, mas era a primeira vez que quem trabalhava nos barracões teria uma visão daquela, com todos os carros prontos, organizados. Era o medo que nós tínhamos de ver o conjunto todo pronto.

"'Soy loco por tí, América'
Louco por teus sabores
Fartura que impera, mestiça mãe terra
Da integração das cores"

E Alexandre Louzada consagraria seu nome após o campeonato daquele ano. Vencedor em 1998 na Mangueira com o enredo sobre Chico Buarque, o carnavalesco foi contratado pela Vila após a excelente reedição do enredo "Festa Profana" na Porto da Pedra.  Louzada acabou substituindo Joãosinho Trinta na escola de Noel, após o maior campeão do carnaval carioca sofrer um infarto.

- Fiquei feliz por conseguir um título que a Vila não conquistava há tantos anos. Foi a primeira vez que eu fui para a concentração armar a escola e só lá me dei conta do impacto que poderíamos causar, das possibilidades de título que tínhamos. Fui ouvindo os comentários das pessoas, todo mundo passando pela concentração para ver os carros da Vila e aquilo me deixou muito feliz. Recebi os parabéns até mesmo do Seu Anízio, quando eu nem sonhava em trabalhar na Beija-Flor - conta Louzada que depois seria campeão mais duas vezes com a agremiação de Nilópolis em 2007 e 2008.

"Arriba, Vila !!!
Forte e unida
Feito o sonho do libertador
A essência latina é a luz de Bolívar
Que brilha num mosáico multicor"

Nos bastidores da preparação para o desfile, Martinho da Vila teria se desentendido com a diretoria e preferiu não desfilar. Acabou não vendo sua escola de coração ganhar um título que não conquistava há 18 anos.  O motivo da briga foi o concurso de samba-enredo. O cantor foi convidado a participar da disputa, mas teve seu samba eliminado. Magoado, Martinho preferiu não desfilar à frente da agremiação. Já o samba-enredo, bastante criticado na época, teve uma grande performance durante a passagem da Vila na Avenida e foi determinante na conquista do título. A escola terminou empatada com a Grande Rio e o quesito de desempate foi justamente o samba-enredo.

- Eu lembro que na Apuração ficou aquela indefinição de quem seria a campeão. Nem nós sabíamos. Alguns integrantes da Grande Rio até comemoraram, mas me recordo que uma pessoa da Liesa apontou para nossa mesa dizendo que tínhamos vencido. Não esqueço daquilo - diz Junior. 

Nenhum torcedor da Vila poderia esquecer aquele dia. Quem diria que seis anos depois do rebaixamento, a escola renasceria e seria campeã quebrando um longo jejum. Nos carnavais seguintes, a agremiação brigou sempre pelo título com alguns tropeços. No seu último desfile, era, sem dúvida, a escola mais aguardada, mas não passou de um quarto lugar. Será que o feitiço que transformou a Vila de Gata Borralheira para Cinderela se esgotou? Difícil, até porque de feitiço, a Vila entende, não é?

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