O
renovo da Portela foi cantado em prosa e verso, em todas as esquinas e
editorias, redutos do samba e de outros assuntos, com a eleição e sua
nova diretoria. Não só pela promessa de uma gestão com olhos para a
transparência e para a volta das mentes originais que construíram o
pavilhão glorioso que essa escola tem, mas sobretudo pela visão
profissional de uma concepção de carnaval. Saindo daquela mentalidade
ultrapassada de tentar vencer pelos brios e pela fama, agora apostando
na briga dos quesitos e na pontuação técnica, a Portela começa a
reconstruir seu caminho de volta ao patamar das campeãs.
Não posso
deixar de falar, dentre tantas mudanças e renovações que a escola vem
fazendo, no menino iluminado que agora assumirá o pavilhão da escola.
Diogo Jesus. Abençoado até no nome!
Tenho por esse virtuoso mestre-sala menino uma grande admiração. Vi,
na história dele, um pouco do que eu também já vivi. Frequento a quadra
da Portela desde a morte de Clara Nunes, em 1983. Eu era ainda menino
quando ali pisei pela primeira vez, justo num dos dias mais tristes de
sua história. Sei, por história própria e pessoal, o quanto a Majestade
do Samba é capaz de encantar e conquistar o coração de um menino com seu
azul sem par. E, após um período em que estive distante da escola,
voltei a frequentar o Portelão, vi naquele menino valente, ousado,
malabarista da dança um pouco da minha história, embora por caminhos
diferentes.

Diogo é essência de Portela. Tem história, lastro, caminhada.
Aprendeu com Tia Dulcinéia, sua avó, o que é chão de escola. Quando esse
menino olha para a bandeira da Portela, parece deslumbrar-se ante a
visão mais simbólica de sua escola de coração. Diogo tem poesia na
dança. Eu o via caminhar na escola como alguém que fora feito na
Portela, cria da Portela, desde a Filhos da Águia até a avenida
principal. Porque ele é exatamente isso: um "filho da Águia" legítimo.
Via nas pessoas da escola um carinho, um zelo especial por ele. A escola
zela por Diogo Jesus como uma águia zela por seus filhotes em seu
ninho. Diogo revelou-se tão precioso e importante como um craque desses
do futebol, paparicado (no bom sentido) e protegido pelos clubes para
que seu talento não se perca.
Caminhando com Diogo como um pretenso amigo nesses últimos anos,
surpreendi-me. É de uma inestimável simpatia, de uma capacidade de
reflexão sobre a vida, sobre a escola que defende, sobre o carnaval e
sobre vários outros assuntos, que impressiona. Tem convicções, é seguro e
conciso nas opiniões. Passa na quadra tomando a bênção e cumprimentando
todo mundo. Um lorde negro do samba, uma tradução extemporânea do
legado de Paulo da Portela: elegante no trato e na aparência. Além de se
constituir legitimamente em um dos melhores mestres-sala do carnaval
carioca hoje, Diogo carrega uma característica fundamental para o
exercício de sua dança: a singeleza do chamado "samba de malandro". Toda
a cortesia e a ginga que ele demonstra em suas performances é
proveniente de uma atuação pregressa como passista. Ele incorpora, com
rara habilidade, os trejeitos do malandro na evolução contínua e mais
acelerada da dança de mestre-sala. Ao mesclar de forma tão perfeita a
graciosidade e a leveza do mestre-sala à cadência exemplar do samba de
malandro passista, Diogo construiu um repertório de passos para sua
evolução que o qualifica e torna ainda mais sublime a sua habilidade
artística.
Eu poderia passar o resto destas laudas elogiando a índole, o
caráter, a elegância, o talento e a simpatia desse menino. Na verdade,
um homem. Afeito e talhado ao desafio de ser primeiro mestre-sala de uma
escola do tamanho da Portela.
E, assim como o homem que hoje sou também passou pela experiência de
ser um menino que um dia apaixonou-se pela Portela, posso dizer que não
haverá nenhum percalço nessa caminhada de Diogo Jesus como primeiro
mestre-sala da escola.
Porque a escola é grande; todo mundo sabe. Mas, com toda a sua grandeza, cabe inteirinha no coração desse garoto sambista.