terça-feira, 20 de março de 2012

Decodificando Paulo Barros



Após a vitória do carnavalesco Paulo Barros com a Unidos da Tijuca neste carnaval de 2012, algumas ponderações surgiram no meu horizonte reflexivo. Não são de agora, é verdade. Há algum tempo venho esboçando um livro sobre as evoluções estéticas nos desfiles das escolas de samba que discuta o trabalho dos carnavalescos dentro do sentido dessa festa.
Tentarei, em algumas linhas, fazer uma análise crítica, não exatamente uma pesquisa de dados, mas um apanhado de observações relevantes, tendo por objetivo decodificar o trabalho do carnavalesco Paulo Barros.
Falarmos de Paulo Barros, hoje, é uma reflexão quase obrigatória. Todos nós estamos tentando entender sua estética inovadora. Para todos os gostos, para todas as opiniões e para todas as reflexões a respeito: é importante, porém, entender Paulo Barros como um carnavalesco autoral.
A linha de carnavalescos autorais é pontuada não apenas pelos que imprimiram sua marca de bom gosto ou talento nos trabalhos realizados. Mais que isso: os "autorais" são aqueles que imprimiram uma marca pessoal, destacando algo tão subjetivo e "assinado" que dificilmente não se pode identificá-los em seus acenos artísticos.
Há elementos no trabalho de Paulo Barros que o caracterizam, e é esse crivo analítico que pretendo focar. O primeiro elemento que eu destacaria é a sua engenharia cinematográfica. Paulo trouxe para os desfiles de escola de samba efeitos especiais com referências claras ao cinema. Sim, alguns o taxaram de hollywoodiano por isso. Alguns o alfinetam como "estrangeirista", confundindo Broadway e Disneylândia com Sambódromo e escola de samba. Cito propositadamente esse viés crítico para denotar que, preferências à parte, esse estilo próprio e inusitado faz dele um carnavalesco autoral.
Ele apropriou-se de efeitos especiais e do efeito surpresa para arrebatar o publico em seus desfiles. Suas alegorias transformam-se, possuem personagens que também se transformam em cena. Lembramos, é claro, da mágica comissão de frente de "É Segredo", além das "molas de sanfona" deste ano. Temos ainda o carro dos gêneros musicais "Ouvindo Tudo que Vejo, Vou Vendo Tudo que Ouço" (Tijuca 2006), que, a cada abrir e fechar de cortinas transformava o cenário e os componentes em dançarinos de dado gênero musical. Os carros de Paulo Barros não são apenas "alegóricos": são performáticos também. Apoteose conceitual: a alegoria de cabeça para baixo, em "A Viradouro Vira o Jogo" (2008), onde o artista expôs um carro-síntese de sua proposta de enredo. E ainda a representação do "bota-abaixo" de Pereira Passos, com o Theatro Municipal desabando no abre-alas da Vila Isabel em 2009 ("Neste palco da folia, é minha Vila que anuncia: Theatro Municipal - A centenária Maravilha", assinado em parceria com Alex de Souza).
Outro elemento presente é a humanização das alegorias. Sim, lá atrás, Joaosinho Trinta e Fernando Pinto já abarrotavam os carros alegóricos de pessoas. Mas a grande revolução estética dos carros alegóricos, a meu ver, foi a criação das "alegorias vivas". Caso célebre do carro do DNA em 2004. Numa época em que tanto se discute que o componente dos desfiles perdeu seu espaço de destaque para o elemento cenográfico, Paulo Barros tripudia dessa vertente e coloca figuras humanas "vestindo" um conjunto de "prateleiras", levando mais uma obra de arte marcante para a avenida. É o resgate da figura do componente dentro da estética dos desfiles cenográficos.
Para além de seus efeitos especiais e de sua intrincada mecânica de movimentos nas alegorias, Paulo também procura desenvolver alegorias que efeito visual impactante, fazendo uso de materiais alternativos para traduzir aspectos de seu enredo. Carros inesquecíveis como o Homem de Lata feito com panelas, na Tijuca ("Entrou Por Um Lado, Saiu Pelo Outro... Quem Quiser Que Invente Outro", em 2005) ou os extraordinários homens de barro deste ano são o exemplo do que a mentora do carnaval, Maria Augusta, definiu com o conceito contemporâneo de "instalação artística" para analisar os trabalhos de Paulo Barros.
Seu esforço para aproximar o estrangeirismo da cultura do samba, rejeitando o xenofobismo e tingindo o carnaval com cores de pop art, também é reconhecido nos personagens "importados" com os quais ele "incrementa" seus enredos: Michael Jackson, Indiana Jones, Avatar, Darth Vader, Wally, Homem-Aranha, Harry Potter, Margareth Tatcher e até o Rei Leão já integraram sua lista! É como se ele promovesse uma "globalização temática" do carnaval para que, enfim, pudesse ser entendido e reconhecido nos recantos do planeta onde a festa, afinal, é assistida.
Por sua formação em Arquietura, Paulo sempre demonstrou mais capricho no movimento e no efeito das alegorias do que propriamente em seu acabamento. Não é um "deus do requinte", muito embora este ano tenha surpreendido justamente por apresentar, também neste quesito, um acabamento final irrepreensível de seus carros e fantasias.
Houve quem o comparasse a Joãosinho Trinta. Atrevo-me a dizer que seu legado é mais intrigante. O mestre maranhense impôs a estética de verticalização dos desfiles, com alegorias gigantes e suntuosas. Dali pra frente, ou as demais escolas seguiam o diapasão ou ficariam defasadas. Pronto: todas passaram a se agigantar, a verticalizar seus carros, a elevar seus desfiles. Com Paulo, é mais complicado: tudo o que ele faz é diferenciado, sabemos. Mas, se alguém reproduz, fica descaradamente caracterizado como cópia. Paulo não lançou uma tendência: ele simplesmente é a tendência! E qualquer esforço no sentido de trilhar seu caminho criativo fica imediatamente sob risco de imitação barata. Por força dessa autenticidade, Paulo Barros é, hoje, um carnavalesco inimitável. Nesse ponto, aproxima-se dos trabalhos do saudoso Fernando Pinto.
Enfim, essa galeria de artistas da grande ópera de rua que é o desfile de escolas de samba tem muito o que se observar.
Enquanto isso, Paulo Barros está em sua usina criativa efervescendo novas ideias para 2013. Tomara que o próximo desfile chegue logo!

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