“Em Mangueira a poesia,
Num sobre e desce constante,
Anda descalça ensinando,
UM MODO NOVO DA GENTE VIVER”
(“Sei lá Mangueira” – Paulinho da Viola)
Ilustração extraída do blog "Eu sou, tu és" - UOL Blogs
Ao longo de seus 83 anos de história, a Estação Primeira de Mangueira ultrapassou as barreiras do que entende-se por escola de samba. Fundada e mantida até os dias de hoje em sua comunidade de origem (ao contrário de muitas escolas cujas sedes não ficam no coração de suas comunidades), a verde e rosa é símbolo de resistência e luta de um povo segregado e marginalizado, ou por sua origem étnica, ou social (negros pobres e retirantes nordestinos de forma geral), e depois pelo culto ao samba, que no passado era algo tido como “marginal”, proibido e coibido pela polícia. Na Mangueira, como em outras comunidades ou favelas, o poder público sempre foi ausente, e com o passar dos anos, a diferença entre morro e asfalto, entre “bairros” e “comunidades”, foi ficando cada vez mais evidente, e houve um isolamento natural.
Foto: "O Globo"
Do alto do morro, os moradores cada vez mais á mercê de toda sorte de mazela, e lá embaixo, a cidade a crescer, tendo ao fundo, apenas uma paisagem cruel de uma gente condenada à segregação e a discriminação. Nesse contexto, a escola de samba surge como a salvação. O que se produziu de cultura apenas no Morro da Mangueira, representou um verdadeiro universo paralelo dentro do contexto histórico-cultural da cidade do Rio de Janeiro, algo tão grandioso que ficou impossível aos olhos da sociedade, deixar de reconhecer que existia ali muito mais do que pobres, pretos, e toda sorte de adjetivos não tão nobres. O samba da Mangueira tornou-se uma realidade retumbante, que atraiu olhares dos mais conceituados nomes da música brasileira, e como que num passe de mágica, toda aquela explosão colorida em verde e rosa, ganhou o mundo e acabou servindo de referência do Brasil no exterior. A reboque disso a escola ganhou um novo papel dentro daquela comunidade, assumindo o que deveria ser obrigação do poder público, criando um laço tão estreito com sua comunidade, que hoje é impossível dissociar Mangueira (morro) de Mangueira (escola de samba). A Mangueira acabou se tornando singular. Por sua gente, por sua cultura, por sua importância e simbolismo, e a favela passou a ser denominada “comunidade”, e a vergonha passou a ser motivo de orgulho. A evidência está nas várias canções que retratam com poesia, a dura realidade daquela gente, e que no fundo no fundo, acaba sendo a realidade de tantas outras comunidades.
Foto: DefesaNet
Hoje, o poder público com seu projeto de retomada do poder nas comunidades, através das UPPs (necessárias) e o tal choque de ordem, tenta resgatar décadas de descaso. Tudo seria perfeito não fosse a repetição do erro. Antes, o erro foi ignorar completamente a existência daquela gente, e hoje, o erro está sendo ignorar o que o tempo deixou de marca e legado àquela comunidade. É impossível deixar de praticar uma ocupação e com ações diferenciadas, porque essa gente criou um modo próprio de vida, e o poder público não pode ignorar essa peculiaridade. O samba está para o Morro da Mangueira assim como o futebol está para o Brasil. A Estação Primeira de Mangueira está para o Morro da Mangueira, assim como a seleção brasileira de futebol está para essa imensa Nação. São fatos incontestáveis, o que aliás, é bem comum dentro de uma sociedade tão miscigenada (racial e culturalmente) como a brasileira, e tudo que venha de benefício sem a observância dessa coisa peculiar, está fadado ao fracasso. Não há como se obter sucesso nas ações no Morro da Mangueira, sem deixar de reconhecer a importância da escola de samba dentro daquela comunidade, que durante muito tempo, foi o único motivo de orgulho daquela gente. E foi dali, da dificuldade, que surgiram alternativas que hoje servem de exemplo para o mundo, como o Projeto Vila Olímpica da Mangueira, que forma cidadãos através do esporte, tudo nascido a partir da escola de samba!
A Mangueira quer urbanização, quer saúde, quer saneamento, quer educação, quer dignidade e quer, acima de tudo, que aquilo que a sustentou durante anos de esquecimento por parte da sociedade, tenha agora o devido valor e reconhecimento. E enquanto o poder público reforma quadras de escolas de samba Rio de Janeiro afora, a Mangueira, reduto de bambas e que cujo prestígio ajudou a transformar o carnaval carioca na festa popular mais famosa do planeta está lá, ainda à mercê da boa vontade.
Por tudo isso é que a Mangueira vem clamando por um NOVO PALÁCIO DO SAMBA! Porque é no samba que a Mangueira se sustenta, se dignifica e se torna forte. Um novo espaço onde possa não apenas servir de palco para seus ensaios, mas onde possa fazer cidadania, oferecendo alternativas a mais pessoas daquele lugar, oferecendo cultura, lazer, entretenimento, educação, qualificação, capacitação e uma coisa que é fundamental para qualquer cidadão: DIGNIDADE!
A Mangueira não produz torcedores de escola de samba. Ela produz MANGUEIRENSES! Porque MANGUEIRENSE é um estado de espírito!
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