A entrada dos carnavalescos nas Escolas de Samba com o intuito de produzir desfiles grandiosos, de acordo com padrões mais afeitos à academia e ao turismo, e a transmissão do que se passou a chamar "espetáculo" (em substituição a "festa" e "manifestação popular") pela televisão provocaram alterações decisivas na concepção do samba, do sambista, das agremiações e do carnaval. Artistas egressos da escola de Belas Artes encontraram nas escolas um lugar para desenvolver visões de arte trazidas de uma cultura que não a popular.
Com a transformação do desfile em "espetáculo", a força de uma escola passou a ser medida pela sua apresentação visual (alegorias, adereços e fantasias, portanto objetos de encenação) em detrimento do samba-canto (a voz e as vozes, a harmonia de uma comunidade), do samba-ritmo (as batidas criadas pelas mãos, braços e pés, que repercutem os instrumentos) e do samba-dança (os quadris, os umbigos, as pernas, os pés, os braços, as cabeças que giram sincopadamente, como o pulsar do coração) (portanto, canto, ritmo e dança são expressões dos sujeitos da encenação, os donos da festa).
Com o tempo o aumento não se deu apenas nos carros alegóricos, uso de adereços, tripés, mas também nas fantasias. Assim a preocupação com o visual da escola ficou maior que a preocupação com o componente, com o ser humano.
Em recente ciclo de palestras que está sendo apresentada mensalmente no CCBB, uma das perguntas dirigidas aos entrevistados foi "qual a maior preocupação na concepção de um tema enredo?". Na resposta dos artistas não estava em primeiro lugar o componente, nem a característica da escola. Esse fato me fez recordar a equipe de Max Lopes quando de seu primeiro carnaval na Mangueira. A primeira medida de sua então fiel escudeira à época, Regina, foi conversar com cada presidente de ala, conhecer o perfil dos componentes e na ocasião da entrega da fantasia, marcar novo encontro para explicar o significado da fantasia no contexto do enredo, fornecer uma amostra de cada material a ser utilizado na roupa (naquela época ainda existia o protótipo - fantasia piloto fornecida atualmente pela comissão de carnaval). O respeito ao corpo da escola se refletia no desfile, pela participação do coletivo na construção do carnaval.
Inicialmente a participação do componente para compor o visual do espetáculo se deu pelo aumento do adereço de mão em número e em tamanho, até que efetivamente o corpo do sambista passou a ser também um "carrinho" sob duas pernas. Foi fazendo parte da indumentária resplendores, chapéus altos, roupas enormes, muitos panos pendurados, excesso de adornos e plumas. Assim, o chamado visual da escola passou a ter um peso muito maior do que nos anos 30, 40 e 50 quando era possível se conquistar campeonatos com apenas um bom samba, uma boa bateria, e as pastoras na avenida. Esse processo de massificação, em que o ser humano é visto como objeto foi tornando cada vez mais difícil a leitura do enredo e levando à perda da "aura" que permeia a arte.
A grande novidade desta semana foi a decisão do diretor-geral de Carnaval da Beija-Flor, Laíla, de retirar todos os resplendores das fantasias de todas as alas para que os componentes fiquem mais leves, permitindo uma melhor evolução durante o desfile, afirmando que o glamour e a imponência da escola estará garantida com a força de chão no desfile. Como o carnaval é movido a tendências, vamos torcer para que o sambista volte e ser mais valorizado e não a mercadoria da indústria cultural.
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