A continuidade, sem alteração, entre o CANTO, RITMO E DANÇA, são os pontos fortes de cada HARMONIA em desfile. Se por acaso ocorrer divergência de comportamento, todos sabem, no mundo do samba, o que acontece. Logo se diz que o samba está atravessado.
Para a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, a HARMONIA é muito mais do que isto. É acima de tudo um trabalho de base e até certo ponto primordial. É na Mangueira, talvez a única escola de samba, cujos componentes obedecem cegamente o comando da HARMONIA no Carnaval.
Era com comum, nos tempos idos, se ouvir em qualquer lugar do Buraco Quente, Candelária, Olaria, Chalé e outros locais do morro, dias antes do desfile, a seguinte assertiva: "Estou pronto, só falta Seu Xangô apitar". Tal frase era repetida por todos sem qualquer distinção.
Na realidade, isso apenas demonstrava que Mangueira, mesmo já naquela época, buscava o modernismo neste emblemático quesito, sem apelação, procurando manter viva uma das maiores tradições do morro que era ouvir o apito do grande Mestre Xangô, horas antes da escola descer para disputar o concurso oficial.
Contam os fatos da época que essa tradição foi herdada por Xangô, do Velho Cartola. Para chegar ao posto, outrora ocupado pelo extraordinário compositor, Xangô fez um teste (coisa que não se usa mais em escola de samba) e passou com aprovação geral.
Numa época em que as escolas de samba já não mais ensaiavam (na época ainda não se não realizava ensaios técnicos nem na quadras e tampouco na avenida), pois os preparativos tais como hoje, viraram verdadeiras batalhas carnavalescas. Mangueira ainda conservava o Velho Batuqueiro Xangõ de apito na boca, em sua quadra, clareando o miolo.
Para muitos, aquilo poderia parecer excesso de tradicionalismo. Mas o fato era explicado pelos mais antigos e aceito com agrado pelos novatos da época. Diretor de HARMONIA na Mangueira era na realidade o homem forte de todo o esquema de Carnaval. Sem ele nada era aprovado. Nem mesmo a escolha do enredo era processada sem sua aprovação.
Quando atingiu mais de 30 anos dirigindo a HARMONIA da Mangueira, Seu Xangô se sentiu recompensado. Pois desde que foi chamado para ocupar o cargo, que em certa época foi do incomparável Cartola, o Velho Batuqueiro sempre inovou e teve conquistas a valer.
Nem mesmo a glória pelo sucesso em discos e shows, tirou dele a sua eterna paixão: da quadra da verde e rosa. O chão mangueirense era o seu mundo.
A HARMONIA da Mangueira é sem dúvida alguma, juntamente com a sua famosa BATERIA, o ponto alto do desfile da escola. Quando os mais antigos se reúnem ao pé do morro para lembrarem fatos passados, vêm logo à tona às figuras de Chico Porrão e Cartola, dois maiores diretores de HARMONIA, que passaram pelas quadras do Buraco Quente e E.C. Cerâmica.
O primeiro era carrancudo, sisudo e, não admitia qualquer deslize por parte das pastoras ou integrantes da bateria. Hoje, muitas senhoras ainda desfilando na escola, lembram com uma ponta de saudosismo as muitas pancadas que levaram nas pernas do saudoso Chico Porrão, que de bastão em punho não permetia maiores desatenções na quadra.
É bom lembrar que naquela época, não existiam os modernos sistemas de sons. Tudo era no gogó. Pobres pastoras eram obrigadas a cantar e ainda por cima se não fizessem direito tome de bastão do Chico Porrão.
Já o notável Cartola era mais tranqüilo. Cartola tinha uma virtude muito grande: sabia cativar as pastoras e por isso não tinha problemas. Chegou mesmo criar, mesmo que involuntariamente, o seu próprio grupo de pastoras.
Bem, mas isso deu "pau com formiga" em Mangueira, pois os demais compositores ficavam fulos de raiva com aquela primazia do Cartola. Este por sua vez nem se tocava com as reclamações. Ia para a quadra, primeiro no alto do morro, ensaiava seu samba com suas fiéis pastoras, e depois quando era pra valer ficava um "mamão com açúcar".
Por fim, tal estado de coisas foi indo, foi indo que o Seu Agenor de Oliveira resolveu a se afastar, primeiro da HARMONIA, depois da próprio do Morro de Mangueira.
Surgiu então o Seu Xangô. Moço ainda, mas com muita capacidade, Seu Olivério Ferreira foi se impondo. Primeiro com versador, já que na época havia os sambas que eram cantados pelo Diretor de Harmonia. Depois como ensaiador de quadra, Seu Xangô conquistou simpatia geral de todos em Mangueira.
Sem ser rigoroso como foi Chico Porrão, mas cauteloso e artimanhoso como Cartola, Seu Xangô mostrou o seu real valor. Foi uma fase de ouro para o samba da Mangueira. Os títulos eram conquistados e novos valores foram sendo revelados.
Seu Xangô completou 50 e poucos anos dirigindo a HARMONIA da Mangueira. Sempre levando consigo os inúmeros títulos conquistados através da sua vitoriosa carreira. "Rei do Partido" e "Cidadão do Samba", títulos estes que o colocaram no verdadeiro pedestal do samba brasileiro: "Rei do Samba".
Portanto, em vários carnavais estiveram juntos O Rei do Samba e a mais famosa Rainha do Samba, já que Xangô e a Mangueira se confundiam como o próprio reino do samba brasileiro. Vimos ao longo de meio século todas as tradições do samba sendo mostradas ao público e, em particular aos jurados de uma maneira prática e moderna, sem fugir de suas raízes.
Para mim, um mangueirense, com 50 anos de escola, é motivo de honra e orgulho muito grande ter pertencido à melhor HARMONIA de todos os tempos. A HARMONIA do Mestre Xangô da Mangueira.
Nota dez para aquela HARMONIA era simples banalidade. Sempre estávamos prontos para um novo sucesso, pois Mestre Xangô apitava com vigor colocando não somente cabrochas na linha, mas de resto toda a Mangueira em total HARMONIA.
Por isso ainda lamento, é que ao assumir, no dia 09 de maio de 2009, o cargo de Vice - Presidente de HARMONIA DA MANGUEIRA tentei destinar um espaço, uma sala que fosse para perpetuar o nome o Seu Xangô, como um daqueles baluartes que ajudaram á verde-e- rosa ser do tamanho que é
Mas, baldaram-se os meus esforços.
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