Biografia
Nasceu no bairro de Inhaúma, em 16 de setembro de 1921, embora tivesse sido registrado, em 6 de outubro. Em 1924, foi morar em Bangu na casa do avô, o flautista e pianista de João Dionísio Santana, que costumava promover reuniões musicais em sua casa, das quais participavam nomes famosos da música popular brasileira como Pixinguinha, Cândido (Índio) das Neves, entre outros. Filho de Josué Vale da Cruz, um marinheiro que tocava cavaquinho, cresceu ouvindo as cantorias do avô e do pai. Após a morte do avô, em 1928, mudou-se para a Rua Dona Clara.
Aos 13 e 14 anos, quando morava no subúrbio de Piedade, foi levado por Geraldo Cunha, compositor do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira e parceiro de Carlos Cachaça, para assistir a ensaios daquela escola, seu primeiro contato com a música dos morros. Mais tarde, mudou-se para o subúrbio de Bento Ribeiro e foi levado para o G.R.E.S. da Portela pelo compositor, e depois presidente da escola, Armando Santos. Em 1940, ingressou na Polícia Militar, onde serviu por três anos. Em 1945, entrou para o grupo de compositores da Portela escola que mais tarde assumiu como a sua de coração. Em 1950, afastou-se da escola por problemas em relação à autoria de algumas composições e foi para a União de Vaz Lobo, só retornando à Portela no início da década de 1960. Em 1951, obteve seu primeiro grande sucesso com o samba “Amor passageiro”, parceria com Jorge Abdala gravado por Linda Batista. Em 1955, sua carreira começou a deslanchar quando seu samba “A voz do morro”, gravada por Jorge Goulart, fez enorme sucesso na trilha do filme “Rio 40 graus”, de Nelson Pereira dos Santos.
Zé Quietinho ou Zé Quieto eram os seus apelidos de infância. Quieto virou Kéti porque a inicial K do nome artístico era a letra que na época era vista como de sorte, nomeava estadistas como Kennedy, Krushev e Kubitscheck. O próprio sambista divulgou a versão numa de suas falas do Show Opinião, estrelado por ele de 1964 a 1965 ao lado de Nara Leão e João do Vale.
Retornou a Portela e, em 1960, participou das atividades musicais do restaurante Zicartola, atuando como apresentador dos velhos compositores, ainda então desconhecidos do público, como Cartola e Nelson Cavaquinho, e dos novos, como Paulinho da Viola e Elton Medeiros. Em 1961 lançou, na quadra de ensaios da Portela, o samba Portela Querida, obtendo sucesso. Nesse ano ainda, o cantor Germano Matias gravou com êxito o samba Malvadeza Durão. Em 1962, o compositor, aproveitando o sucesso do samba A voz do morro, idealizou um conjunto homônimo que começou a ensaiar com a participação de Nelson Cavaquinho, Cartola, Elton Medeiros e Jair do Cavaquinho. Em 1964, ao lado de Nara Leão e João do Vale, encenou o show Opinião, em que lançou alguns sambas de sucesso, como Opinião, Acender as velas e Diz que fui por aí (com Hortêncio Rocha). Por essa época, Nara Leão gravou em seu primeiro disco solo (Nara) o samba Diz que fui por aí. Em seu disco Opinião de Nara, ela incluiu duas outras composições suas, Opinião e Acender as velas. Também em 1964, Germano Matias lançou Nega Diná e O assalto e, no ano seguinte, o compositor recebeu convite da Musidisc para gravar seus sambas numa fita a ser entregue aos cantores da gravadora, para escolha de repertório. Lá compareceu, levando outros sambistas até então desconhecidos, como Paulinho da Viola, Nescarzinho do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Oscar Bigode e Zé Cruz, que fizeram o acompanhamento e apresentaram seus sambas. A gravadora resolveu lançar então o LP Roda de samba, com o conjunto de sambistas denominado A Voz do Morro, concretizando antigo plano seu. Esse mesmo conjunto, com Nelson Sargento, gravou mais dois LPs, um pela Musidisc (1965) e outro pela RGE (1966). O compositor teve ainda dois sambas, em parceria com Elton Medeiros – Mascarada e Samba original – gravados no LP Na madrugada, interpretado por Paulinho da Viola e Elton Medeiros, lançado pela RGE em 1966. Para o Carnaval de 1967, compôs a marcha-rancho Mascara negra (com Hildebrando Pereira Matos), embora a primeira parte tenha sido atribuída ao irmão deste, Deusdedith Pereira Matos. Foi um dos maiores êxitos de sua carreira. Nos anos seguintes, viveu um período de esquecimento na música do Brasil. Durante a década de 1980, Zé Keti morou em São Paulo. Em 1987, no início de julho, teve o primeiro derrame cerebral.
Em 1995, voltou para o Rio e foi morar com uma das filhas. Continuou compondo, cantando e lançou um disco. Em 1997, recebeu da Portela um troféu em reconhecimento pelo seu trabalho e participou da gravação do disco Casa da Mãe Joana. Em 1998, ganhou o Prêmio Shell pelo conjunto de sua obra: mais de 200 músicas. Nesta noite foi homenageado por muitos músicos da Portela, entre eles, Paulinho da Viola, Élton Medeiros, Monarco e a própria Velha Guarda, em show dirigido por Sérgio Cabral e encenado, em noite única, no Canecão do RJ. Em janeiro de 1999, recebeu a placa pelos 60 anos de carreira na roda de samba da Cobal do Humaitá. Em agosto, com a morte de sua ex-mulher, entrou em profunda depressão. Morreu a 14 de novembro, aos 78 anos, de falência múltipla dos órgãos.
Atento ao seu povo e ao seu tempo, o poeta Zé Kéti mostrou-se um verdadeiro cronista. Vistos principalmente de cima do morro, problemas do Rio e do Brasil foram registrados em seu canto. Não nasceu no morro, mas teve oportunidade de ali viver por um tempo, ou mesmo sempre freqüentar. Assim, passa a compreender aquele universo marginalizado. Em “Acender as velas”, por exemplo, denuncia a miséria que matava as crianças, em vista da desassistência e dificuldades.“É mais um coração/ Que deixa de bater/ Um anjo vai pro céu (…) O doutor chegou tarde demais/ Porque no morro/ Não tem automóvel pra subir/ Não tem telefone pra chamar/ E não tem beleza pra se ver/ A gente morre sem querer morrer”. É claro que hoje o morro não é bem assim. Os problemas são outros. No samba “Os Tempos Mudaram”, samba feito há mais de 15 anos, Zé Kéti denuncia a criminalidade, que, aliás, persiste: “Já não se pode andar nas ruas da cidade/ Meu povo está com medo/ Do Rio de Janeiro antigo só saudade/ (…) Meu samba está de luto/ Envergonhado com a criminalidade.” Mas não fica só no Rio: “Qualquer cidade grande/ Sofre do mesmo mal/ Na Avenida São João/ No cruzamento da Ipiranga/ Os trombadinhas vão correndo/ Do policial/ Até chegar a marginal” E termina: “De norte a sul do meu país/ Não há mais coração feliz/ O rico assalta por vaidade/ Na impunidade/ E o pobre por necessidade.” Precisa dizer mais alguma coisa? São muitas a crônicas deixadas por esse sambista, sensível e muito ligado ao mundo que o cercava. Esses dois sambas aqui mostrados são parcos exemplos, mas que dão bem a grandiosidade desse poeta-cidadão.
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