Hoje quero falar sobre a eterna capital do samba, ou seja, o bairro de Madureira, na Zona Norte do Rio. Região principal de uma área que serviu de nascedouro para Portela (Oswaldo Cruz) e Império Serrano (Vaz Lobo), o bairro é um verdadeiro patrimônio cultural do samba e das religiões afro-brasileiras.
Freqüentemente presenciam-se em Madureira filhos de santo vestidos de branco, misturando-se a multidão, que enche as ruas dessa verdadeira cidade no cotidiano. Nos dias de São Sebastião e São Jorge, as tradicionais procissões de Portela e Império percorrem as ruas do bairro, levando consigo as imagens dos padroeiros das escolas e um pouquinho de esperança aos lares dessa gente humilde do subúrbio. No dia de São José, a tradicional capela no alto do morro, eternizada no samba de Zeca Pagodinho e Beto Sem Braço, recebe gente de todo o canto, que vem em busca de dias melhores. E a cada 30 de setembro, as yaôs sobem o morro da Serrinha, onde nasceu o Império, em direção a Pedreira de Xangô, de onde se avista toda Madureira, para deixarem suas oferendas.
Ah, Serrinha! Terra do jongo, onde hoje funciona um Centro Cultural destinado a preservar o ritmo. Lá se encontram verdadeiras preciosidades, como a casa de Vovó Maria Joana Rezadeira, a Tenda Espírita Cabana de Pai Xangô (Rua Balaiada, 124) e vestígios daquilo que um dia foi a primeira quadra do Império Serrano. Passear pelas ruas de Madureira é viver um pouco da história do samba, pois se foi no Estácio onde ele nasceu, no bairro da Zona Norte é onde se criou. Em tempos de carnaval, suas escolas saem as ruas entoando uma batucada infernal, que atinge seu ponto auge quando seus casais de mestre-sala e porta-bandeira se encontram e beijam, cada um, a bandeira da co-irmã, num misto de admiração e respeito. Sim, porque, ao contrário do que acontecia antigamente, quando um encontro entre portelenses e imperianos resultava em briga, hoje o que conta para os componentes destas escolas é o sucesso do bairro, em primeiro lugar. Não importa sob a batuta de qual agremiação. Uma vitória da Portela é uma vitória do Império, e vice-versa. Ambas somam juntas um total de 30 títulos, fazendo com que o bairro tenha muito mais conquistas do que qualquer outro, ou até mesmo do que qualquer outra cidade do estado que não a capital.
Falemos então da Portela, que possui uma das mais belas quadras dentre todas as escolas do Rio, localizada na Rua Clara Nunes, 81. A Portela de Natal, que mandou asfaltar centenas de ruas em Madureira, e que teve um séqüito até hoje inigualável em seu cortejo fúnebre. A Portela que até o início da década de 70 ensaiava numa modesta quadra na estrada que leva seu nome, lugar que hoje conhecemos como Portelinha, e que constitui-se como um verdadeiro museu da memória portelense. Lá podem ser encontradas relíquias, como tamborins quadrados, usados nos primórdios dos desfiles das escolas de samba, por exemplo.
Mas não é só desse gênero musical que vive o bairro. Madureira tem uma vocação para o comércio que chega a ser surpreendente, em se tratando de um bairro do subúrbio carioca. Seus três lados, divididos por duas estações de trem, abrigam verdadeiros pólos comerciais, como o Madureira Shopping Rio, o Shopping Tem Tudo,que possui uma das mais badaladas casas de show do Rio, o Shopping São Luiz (conhecido como ''shopping dos peixinhos'', devido ao imenso aquário que abriga), o Polo Um, e tantos outros. Não podemos deixar de citar, é claro, o Mercadão de Madureira, um dos maiores centros comerciais vinculados a cultura afro-brasileira do país. No mês de dezembro, é quase impossível transitar sossegadamente pelas ruas do bairro, tamanha a quantidade de pisões no pé que você está arriscado a levar. Mas o esforço para conseguir uma pechincha aqui e outra ali compensa o sacrifício, e ninguém sai de lá com a mão abanando.
O bairro também é sinônimo de bom futebol, representado pelo Madureira Esporte Clube, o Tricolor Suburbano, um dos mais bem estruturados times pequenos do futebol carioca. Celeiro de craques, já forneceu diversos jogadores para os grandes do Rio, e Marcelinho Carioca é o exemplo mais recente que não nos deixa mentir. Enfim, quando se fala em Rio de Janeiro, cria-se logo uma associação com o Cristo Redentor, Copacabana ou Ipanema, mas muito pouco ou quase nada se fala do subúrbio. Mas é lá, e principalmente em Madureira, que se pode encontrar o retrato mais fiel do nosso povo. É em meio a essa gente hospitaleira, representada pelos senhores de idade que cumprimentam a todos que passam, pelas normalistas da escola Carmela Dutra ou pela irreverência dos camelôs driblando a Guarda Municipal, que a gente reconhece o verdadeiro espírito do carioca.
E você que está ai, lendo essa coluna, não se faça de rogado. Pois se quem não gosta de samba, bom sujeito não é, vir ao Rio e não conhecer a capital do samba é o mesmo que ir ao Vaticano e não ver o papa. Tá falado? A gente se encontra lá então, numa dessas esquinas que vendem pastel e caldo de cana para os mais moços, cachaça e chope para os menos jovens, como diria o Rildo Hora. Um abraço, e até a próxima, se Deus quiser!
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