Hélio Ricardo Rainho
Olha ela aí de novo, gente: a Mocidade! E vem para 2014 resgatando sua identidade de ser Independente, com cara de Padre Miguel!Refiro-me, é claro, à jóia que foi o enredo desenvolvido por Paulinho Menezes para a escola. Não sei que estrutura ou modelo de desfile sua diretoria conseguirá apresentar, mas que o enredo escolhido foi um achado, isso foi.
Ideia feliz a do carnavalesco. Gosto de Paulo Menezes não só pelo sujeito extraordinariamente afável com quem me comprazo em passar horas a fio conversando sobre coisas do carnaval (acreditem: poucos são simpáticos assim!). Paulo é de raro talento e requinte, exigente em seu trabalho ao ponto de ser considerado por alguns um profissional "genioso". E é mesmo: ele briga, se esforça. Sempre com zelo e prezando pela qualidade de seu trabalho. E esse enredo, que homenageia Fernando Pinto e sua terra natal - Pernambuco - tem a cara e a alma da Mocidade.
Fernando Pinto foi um dos mais extraordinários carnavalescos que a avenida já conheceu. Lá pelo início dos 80, em seu auge, seu trabalho conceitual e arrojado foi um dos apelos que me fez despertar interesse pelos desfiles de escola de samba. Era muito menino, mas lembro claramente dele dividindo a avenida com Joãosinho Trinta (naquela época, "Joãozinho" com Z, pois o S só viria nos anos 90). A Mocidade era absurdamente rica e original. Era o apogeu da estética tropicalista, que Fernando Pinto criou na verdadeira escola de seu coração - o Império Serrano, com "Alô, Alô Carmem Miranda" (1972). Estética, porém, que ele consagrou em Padre Miguel, não resta dúvida.
Fernando Pinto tinha o escracho dos Dzi Croquetes, a antropofagia de Oswald de Andrade, o ufanismo cínico de Mário de Andrade, a alma abaporu de Tarsila do Amaral. Tudo o que não fosse brasilidade lhe causaria contragosto. Mas ele fazia releituras estéticas impressionantes da nossa brasilidade. Não era patriota embriagado: antes convertia sua utopia de um país perfeito em exemplos distópicos de uma pátria depreciada. O tom satírico estava sempre presente: havia "sarro" nos enredos e na criação artística de Fernando. Do paraíso ufano de "Como Era Verde o Meu Xingu" (1983), denunciava o desmatamento e o desprezo ao índio primitivo. Da virtuose do comércio da Zona Franca em "Mamãe Eu Quero Manaus" (1984), exalava um escárnio visceral com o contrabando e a falsificação de produtos. Teve a ousadia e a grandeza de conceber o primeiro carnaval nas estrelas com o antológico "Ziriguidum 2001", indubitavelmente na lista dos desfiles mais extraordinários e impactantes da história do carnaval. Foi essa estética futurista de Fernando Pinto que, mais tarde, inspirou a fase vitoriosa e chamada "high-tech" da escola pelas mãos de outro gênio, Renato Lage.
Em seus enredos derradeiros, os dois últimos que desenvolveu antes de partir para a eternidade em um trágico acidente de automóvel que nos privou de sua arte fundamental, Fernando Pinto colocou sua genialidade em favor da recriação/redesenho do modelo social brasileiro. Para sua "Tupinicópolis" (1987), idealizou uma taba-metrópole com ares de subsistência, baseada numa cultura e numa economia totalmente firmadas num modelo indianista. Em "Beijim Beijim, Bye Bye Brasil" (1988) dividiu o país em "sete brasiléias", diluindo os estados da federação em uma nova ordenação que realinharia o país como potência mundial, calcada em valores tropicalistas e apostando em nossas riquezas naturais. Mário Monteiro concluiu o trabalho de barracão que Fernando deixou incompleto com sua morte repentina.
Fernando Pinto se foi. Mas não passou. Toda vez que se virem carros abarrotados de pessoas em cima, explosões de cores sem vergonha de seu colorido, motivos tropicalistas, uma profusão de indíos e bananas na cabeça, lembrar-se-á do grande artista brasileiro que foi. Um gênio capaz de manter, como poucos, uma estética de brasilidade dentro de um alto padrão de grandeza nas artes plásticas do carnaval.
Suas sinopses repensavam o país, a sociedade, o mundo, a vida.
Este ano (e ele já foi revisitado e homenageado várias vezes na avenida), Fernando Pinto retornará à Sapucaí como um personagem. Seu olhar curioso e irreverente nos fará ver seu Pernambuco com um desenho mágico, lúdico, literalmente arretado.
E o melhor de tudo: de carona na estrela guia de Padre Miguel. Oba!
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