domingo, 12 de agosto de 2012

Anísio Abrahão David, e seus dois amores: a Beija-Flor de Nilópolis e a Estação Primeira de Mangueira



Há mais ou menos 40 anos, era mais fácil encontrar Anísio Abrahão David na quadra da Mangueira do que passeando em Nilópolis, a cidade onde sua família nasceu e ele foi criado sempre junto com o falecido irmão Nelson, onde casou e viveu por muitos tempo e onde nasceram os primeiros filhos. Anísio era o tipo de mangueirense que fazia questão de, ao lado do amigo e "guru" Djalma dos Santos, promover na velha quadra da rua Visconde de Niterói, ainda acanhada e descoberta, as festas de aniversário dos filhos.
Foi assim por quase quatro anos, até que Anísio, conhecendo bem de perto a Mangueira e o presidente Djalma dos Santos, seu amigo inseparável, resolveu entrar de cabeça no carnaval. A troca se deu por questões afetivas em relação a Nilópolis, a cidade onde nasceu, e emotivas em relação à Escola de Samba local, a Beija-Flor, que na época circulava pelo segundo grupo da Baixada Fluminense. Anísio pegou o irmão Nelson pelo braço e ambos foram conhecer a estrutura da Beija-Flor. Ficaram tristes com o que viram. A agremiação não tinha sequer uma quadra em condições de promover os ensaios, não tinha nem boas peças de bateria nem número suficiente para garantir um desfile de qualidade. Enfim, a Beija-Flor de Nilópolis, umas das grandes campeãs dos carnaval carioca dos últimos 25 anos, quando pisou pela primeira vez na passarela de desfiles do Rio, saindo da Baixada Fluminense, mudou da água para o vinho.
Anísio sempre faz questão de recordar, entre os seus, que foi a malandragem de Djalma dos Santos, da Estação Primeira de Mangueira, e o apoio logístico de Amaury Jório, presidente da Imperatriz Leopoldinense, que o sonho se tornou realidade. A explicação é simples: o Regulamento da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro exigia que a escola, para desfilar em solo carioca, deveria ter sede na cidade. Anísio arranjou então com Amaury Jório uma quadra pequena no bairro de Ramos, Zona da Leopoldina, onde fazia alguns ensaios. A quadra de verdade já estava sendo projetada para Nilópolis e lá eram feitas as grandes festas, de arromba, como o mundo do samba passou a conhecer.
A Beija-Flor veio para o Rio em 1973. Desfilou no então Primeiro Grupo Carioca até 74 quando caiu. Voltou em 1976 para ganhar seu primeiro título no Rio de Janeiro com o enredo "Sonhar Com Rei Dá Leão", de Joãosinho Trinta que havia deixado o Salgueiro e estreava na Beija-Flor. Com roupas bonitas e muita ousadia em relação às rivais, a azul e branco de Nilópolis foi tricampeã ao conquistar também os carnavais de 77 e 78. Um show sem qualquer reclamação das co-irmãs.
Na verdade, o enredo do primeiro título seria sobre Natal da Portela, ideia do próprio Anísio, mas Joãosinho alegou que tinha um tema pronto no qual poderia incluir Natal. Afinal, era um sonho e uma incursão no jogo do bicho.
De 1976 para cá, passaram-se bons anos, e a Beija-Flor de Nilópolis se tornou uma das mais competitivas e importantes agremiações do mundo do samba. É como Anísio costuma dizer, a escola passou a ser respeitada como escola de ponta, como escola que todo ano entra na passarela no mínimo como favorita, pronta para disputar o título de campeã, e não apenas para participar. Muito de todo esse sucesso, e aprendizado empenhado na Beija-Flor de Nilópolis, por Anísio, se deve, é claro, a tudo que aprendeu com Djalma dos Santos, em seus tempos de Mangueira, o "Djalma Preto da Mangueira".
Nascido em 7 de junho de 1935, esse geminiado gosta de lembrar de uma outra conquista da qual participou ativamente: a criação da Liga Independente das Escolas de Samba - LIESA - em 1983, projeto das dez principais escolas de samba do Rio de Janeiro que já não aceitavam os métodos de direção da Associação.
Os presidente à época queriam a independência e a modernização dos desfiles mas não conseguíam nada nas reuniões da Associação porque em 44 agremiações e eles eram apenas dez votos. Por isso resolveu-se criar a Liga e o carnaval passou a ser profissional, com hora certa para começar e acabar, com televisão pagando o preço justo pela grandeza do espetáculo, com as escolas recebendo parcelas boas em dinheiro e a Liga dirigindo o espetáculo em parceria com a Riotur.
A decisão de criar a Liga foi tomada logo depois do carnaval de 84. Foram muitas reuniões até que, cumpridas todas as exigências legais para formação da entidade foi eleito seu primeiro presidente, o falecido Castor de Andrade, que em oito meses de intensa atividade com sua diretoria colocou o bloco, ou melhor, o carnaval na rua com grande sucesso.
O carnaval de 84 foi ganho pela Mangueira. O de 85 pela Mocidade. Logo em seguida, Anísio Abrahão David assumiu a presidência e dirigiu os dois próximos desfiles. E promoveu algumas novidades, do tipo: a indicação de um corpo de 60 julgadores para escolher por sorteio 40. E mais: das cinco notas a serem dadas para cada quesito, duas delas seriam eliminadas - uma maior e uma menor - segundo Anísio, pedindo o aval do historiador e pesquisador Hiram Araújo, na época seu assessor.
Anísio também criou as cadeiras entre os setores de arquibancadas, um meio termo entre os preços dos camarotes e das arquibancadas, com conforto ao público. Mais tarde surgiram as frias, coladas ao gradil do Sambódromo.
O coração mangueirense de Anísio Abrahão David já não bate forte como quando toda esta história começou lá em Mangueira. É natural. Mas é impossível esquecer um de seus desfiles preferidos pela verde e rosa, o do carnaval de 1973, com o enredo "Lendas do Abaeté", cujo samba de Jajá, Preto Rico e Manoel, vive em suas lembranças mais queridas até os dias de hoje.
Sobre seu caso de amor indiscutível com a Beija-Flor de Nilópolis, é possível perceber em 1989, com "Ratos e Urubus", seu grande momento. E com todo respeito às demais escolas de samba do país, certamente existem poucos desfiles na história do carnaval tão criativo e tão ousado como aquele ano a Beija-Flor nos apresentava. Quando Anísio anunciou a sua diretoria e ao próprio saudoso Joãosinho Trinta que queria esse tema, foi uma surpresa geral. Teve diretor que disse que não desfilaria com esse enredo, e não foi para a Avenida mesmo. Por força do destino, este carnaval não foi coroado campeão, mas certamente foi um divisor de águas nos desfiles das escolas de samba do Brasil.

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