sábado, 14 de janeiro de 2012

Rasgando a fantasia


CRÓCOCA FALOU E ESTÁ AI...


Justiça quebra sigilo da Liesa e de 6 escolas de samba suspeitas de lavar dinheiro do bicho


Separados: Anísio Abraão David, preso, e Luizinho Drumond, que está foragido, em encontro na Passarela do Samba, no carnaval de 1999 Foto: Gabriel de Paiva / O Globo
Separados: Anísio Abraão David, preso, e Luizinho Drumond, que está foragido, em encontro na Passarela do Samba, no carnaval de 1999 Gabriel de Paiva / O Globo
RIO - O passo a passo no compasso o samba cresceu, já dizia Aluísio Machado no antológico enredo do Império Serrano "Bum bum paticumbum prugurundum", chamando atenção no carnaval de 1982 para as "superescolas de samba S/A". Passados quase 30 anos, agremiações turbinadas por patronos ligados à contravenção tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrado pela Justiça Federal, que apura um suposto esquema de lavagem de dinheiro. A suspeita de que o lucro do jogo de bicho e da exploração de caça-níqueis financiou desfiles também resultou no monitoramento das contas da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), onde foram contabilizados R$ 35 milhões sem origem comprovada.
Em nota, a Liesa informou que o presidente da entidade, Jorge Luiz Castanheira, não tem conhecimento da ação: "Por oportuno, esclareço que a liga rechaça de imediato qualquer tipo de acusação no que diz respeito a valores não identificados em sua contabilidade, lembrando que em todos esses anos a entidade foi por diversas vezes auditada, inclusive várias vezes pela Receita Federal, sem que houvesse qualquer tipo de fato que desabonasse a conduta fiscal".
O processo 2007.5101.806.866-6, no entanto, tramita na 6 Vara Federal Criminal. A quebra do sigilo bancário e fiscal da entidade, das agremiações e de várias empresas foi autorizada em meio aos processos relacionados às quatro fases da Operação Hurricane (deflagrada pela Polícia Federal em abril de 2007, contra a máfia dos caça-níqueis).
Bicheiro exaltado pela escola
Na lista de escolas de samba que tiveram as contas investigadas pela PF e pela Procuradoria da República, figuram Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense, Vila Isabel, Mocidade Independente de Padre Miguel, Viradouro e Grande Rio. Em comum, todas têm ou tiveram bicheiros como patronos. Na Beija-Flor, por exemplo, o "esquenta" — música que apresenta a agremiação antes do desfile — é uma espécie de ode ao bicheiro Aniz Abrahão David, o Anísio, preso pela Polícia Civil na quarta-feira. O contraventor responde a processos na Justiça federal e estadual por formação de quadrilha armada, lavagem de dinheiro, contrabando e corrupção.
Foragido da Justiça, o bicheiro Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho Drummond, é o presidente da Imperatriz Leopoldinense. Ele é apontado em processos como um dos integrantes da antiga cúpula da contravenção no Rio, juntamente com Anísio, Aílton Guimarães Jorge (o Capitão Guimarães), José Caruzzo Escafura (o Piruinha) e Antônio Petrus Kalil (o Turcão). A ligação dos contraventores com escolas de samba é antiga. O primeiro presidente da Liesa, entre 1984 e 1985, foi Castor de Andrade. Desde então, já presidiram a entidade Anísio, Capitão Guimarães e Luizinho Drummond.
Além da Beija-Flor e da Imperatriz, a suposta legalização de di$da contravenção seria feita também na Vila Isabel, agremiação que teve o ex-presidente Wilson Alves, o Moisés, preso pela PF por envolvimento com contrabando e exploração de caça-níqueis. Ligado ao Capitão Guimarães, ele foi condenado a 23 anos de prisão. A Mocidade teria recebido recursos do bicheiro foragido Rogério Andrade. Já a Viradouro teria sido financiada com dinheiro de Turcão.
Uma das caçulas do Grupo Especial, a Grande Rio, de Duque de Caxias, tem como presidente Hélio de Oliveira, o Helinho, que também está foragido da Justiça. O contraventor teve a prisão preventiva decretada a partir de investigações da $da Polícia Civil, que desencadeou em dezembro a Operação Dedo de Deus.
Procurados pelo GLOBO para comentar a quebra do sigilo bancário e fiscal por suspeita de lavagem de dinheiro, os representantes das agremiações não se manifestaram. A Liesa, por sua vez, informou não ter como dizer se a ação na Justiça interferiu de forma negativa na captação de recursos para o desfile deste ano.
Nos bastidores da Cidade do Samba, circulam informações de que algumas dessas escolas enfrentam dificuldade para financiar os desfiles — resultado da quebra de sigilo associada ao bloqueio das contas dos chefões da contraven$ção. Nem a Beija-Flor, campeã do carnaval de 2011, teria escapado da falta de dinheiro. Prova disso seria a demora para consertar o telhado da quadra, em Nilópolis. A estrutura desmoronou em julho passado, durante uma tempestade.
A rede montada pela cúpula da contravenção para lavar os lucros do jogo ilegal, entretanto, não se limita às escolas de samba. A análise dos processos em andamento na Justiça federal e, mais recentemente, na estadual revela a suposta utilização também de construtoras, empresas de importação e exportação, produtoras de eventos, apart-hotéis, agências de viagens, haras, motéis, postos de gasolina e até um educandário.
É o caso do Educandário Abrão David, que tem cerca de mil estudantes do ensino fundamental em Nilópolis. A instituição, mantida pela família de Anísio, também teve o sigilo quebrado. Procurado pelo GLOBO, o advogado Ubiratan Guedes, que representa Anísio, informou não ter dados para se pronunciar sobre o assunto.
— Sei que o educandário atende gratuitamente moradores da região — afirmou.


Investigações revelaram ligações com máfias israelense e russa
E o bicho está pegando para a cúpula da contravenção do Rio. Nos últimos cinco anos, a Polícia Federal desencadeou oito operações contra a exploração ilegal do jogo. Na ação mais recente, a Black Ops, deflagrada em novembro passado, policiais e procuradores da República reuniram provas da ligação de bicheiros com integrantes das máfias israelense (Abergil) e russa (Bratva), acusados, na Justiça, de fornecer placas eletrônicas (usadas em caça-níqueis) e até explosivo plástico à contravenção.
Mas o cerco aos bicheiros não ficou restrito à Polícia Federal. Após um ano de investigações, a Corregedoria da Polícia Civil desarticulou a estrutura montada por Anísio, Luizinho Drummond, Hélio de Oliveira (o Helinho, presidente da Grande Rio) e Mário Tricano, ex-prefeito de Teresópolis, para explorar o bicho com o uso da tecnologia. A Operação Dedo de Deus conseguiu identificar três $, com sede em estados do Nordeste, responsáveis pelo suporte técnico usado para receber apostas por meio de miniterminais. Ontem, como antecipou a coluna de Ancelmo Gois no GLOBO, o Disque-Denúncia (2253-1177) anunciou uma recompensa de R$ 5 mil por informações que levem à prisão de Luizinho, Helinho e Tricano.
— Esta é mais uma ação de apoio à Polícia Civil no combate ao jogo do bicho — disse o coordenador do Disque-Denúncia, Zeca Borges, acrescentando ser esta a primeira vez que se oferece esse tipo de recompensa por informações sobre bicheiros.
O combate à contravenção se refletiu também num aumento de 756% no número de detenções de apontadores de jogo do bicho no Rio. De fevereiro a novembro do ano passado, foram presos 2.903; no mesmo período de 2010, foram 339.
Investigações da PF também reuniram indícios $envolvimento de contraventores do Rio com cassinos no exterior. As suspeitas surgiram do cruzamento de dados relacionados a remessas de dinheiro para contas e empresas offshore, constituídas no Uruguai e no Panamá, ligadas a hotéis-cassinos na América do Sul. Na lista de bicheiros suspeitos, figuram Anísio, Capitão Guimarães, Turcão, Luizinho Drummond e Piruinha.
A análise dos processos da Justiça Federal feita pelo GLOBO revelou o cacife dos integrantes da cúpula do bicho. Com exceção de Luizinho Drummond, os demais chefões da contravenção tiveram bloqueado, nas ações, um patrimônio em torno de R$ 500 milhões, composto por dezenas de imóveis em Ipanema, Leblon, Copacabana, Barra da Tijuca, Recreio dos Bandeirantes e Icaraí. A lista inclui ainda casas e apartamentos em Búzios, Angra dos Reis, cidades do Nordeste e até Miami.

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