terça-feira, 30 de agosto de 2011

Com pandeiro ou sem pandeiro



Foto: Maria Braga ProduçõesNa sexta-feira passada fui ao Rival assistir a um espetáculo imperdível de dedicação filial e desprendimento, raros hoje em dia. Não por acaso era um show de samba. O sambista homenageado teria completado cem anos em fevereiro último e, se quase não se ouviu falar disso, não foi por falta de empenho de sua filha.

Cristina é filha de Pedro Caetano, autor, entre tantos outros sucessos, do samba "É com esse que eu vou", que deu título ao bem-sucedido espetáculo de Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral, a mesma dupla que
assinou o inesquecível Sassaricando. E como entre os leitores pode haver alguém tão novo que não se lembra de outro gênero de música de carnaval que não seja samba-enredo, convém lembrar que até a década de 1950, início dos 60, havia música feita especialmente para o carnaval: eram marchinhas e sambas que se destinavam a animar os bailes e até mesmo o carnaval de rua. E alguns compositores foram grandes especialistas nesse gênero. Podemos mencionar, por exemplo, Lamartine Babo e Braguinha, que por terem sido enredo de escolas de samba são mais familiares aos ouvidos dos aficcionados por carnaval.

Pedro Caetano é autor de inúmeros sambas de carnaval e também de músicas gravadas durante o ano, como choros e sambas mais lentos. Suas letras são antológicas, às vezes poéticas, às vezes maliciosas e brejeiras, mas sempre muito inteligentes. E as melodias, a maioria do parceiro constante Claudionor Cruz, são muito inspiradas.

Para comemorar condignamente seu centenário a filha Cristina bateu desde o ano passado em inúmeras portas e acumulou negativas. Ela não vive da obra do pai: é uma profissional de valor, capaz de prover sem dificuldade seu sustento. Portanto, não era dinheiro a questão. O que queria era o reconhecimento de um compositor importante, mas esquecido. Seu depoimento em DVD antes do início do show é comovente e muito sério, pois revela que encontrou apoio não das instituições a que recorreu, mas sim de músicos e cantores que se prontificaram a juntar-se a ela na homenagem, deixando claro e patente que quem quer fazer cultura no Brasil tem de arregaçar as mangas e ir à luta.

A causa nobre poderia fazer supor um espetáculo mambembe a que se assiste só por solidariedade. Não foi nada disso: foram momentos de encantamento, de saudade, de pura alegria que a boa música proporciona. A veterana Cristina Buarque, cuja voz se associa prazerosamente ao samba, já que foi uma das primeiras intérpretes a darem lugar ao samba em seu repertório, dividia o palco com a novata Mariana Baltar, que além de cantar bem tem uma presença graciosa e marcante no palco. E ambas se curvavam diante da carismática interpretação de Marcos Sacramento, um dos melhores cantores de samba da atualidade.

Sucessos como "O que se leva desta vida", Sandália de prata", "Botões de laranjeira", "Eu brinco", "Onde estão os tamborins", "É com esse que eu vou" e outros tiveram inúmeras gravações na voz de grandes intérpretes de ontem e de hoje, mas ouvi-las ali ao vivo, cantadas também pelo público que lotou o teatro, foi uma experiência muito rica.

Foto: DivulgaçãoGraças ao esforço dessa filha devotada, Pedro Caetano teve dois dias de glória no Teatro Rival, no ano do seu centenário. É pouco e é muito, num país em que não há preocupação em preservar e celebrar o passado. A lição que fica é o exemplo desses músicos profissionais que não se tornam insensíveis ao que é bom e acham em suas carreiras um instante de amadorismo para fazer justiça ao que tem valor.

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