quarta-feira, 6 de julho de 2011

AS KIZOMBAS DA VIDA NA VILA


Com o frio atípico mesmo para essa época do ano pareço que hibernei. Mas não é para tanto. Estive enrolado, feito gato com um novelo, com a conclusão do meu trabalho final de graduação. Tema que por sua vez é bem quente e aqueceu meus últimos meses tão gélidos: Kizomba. Falar desse tema foi um imenso prazer, não só por este aprendiz e aspirante a historiador, ser da Vila Isabel; mas foi um prazer por falar de um desfile que na visão de muitos divide águas no carnaval do Rio de Janeiro.

A Kizomba da Vila surge em um momento altamente adverso. Uma escola sem quadra, sem teto. Ela tinha só o céu e sua lua para abrigar os componentes. A Lua era o teto da Vila Isabel. Era assim que Ruça, presidente da Vila na época, narrava a preparação daquele desfile. Ela me contava que dizia aos componentes que a lua que brilhava em Luanda era a mesma lua que brilhava aqui nos ensaios da Vila. Quer teto melhor que esse? De arrepiar, não é?

1988 era o ano. Um ano chave na nova história política brasileira, o ano da Constituição. O negro seria alocado em qual lugar social? O nosso carnaval, através de Kizomba veio indicar respostas essa pergunta. Aquele ano também marcava o centenário da abolição escravatura no Brasil. Porém mais que comemorar, Kizomba se propôs a repensar sobre a condição do negro na sociedade brasileira. Não, meu caro leitor, isso é mais que um desfile. Isso foi um verdadeiro manifesto negro em plena Sapucaí. Haveria local mais democrático para o negro ser discutido na sociedade brasileira do que no carnaval dessa cidade tão gostosamente misturada? A festa recheada pela lógica afro-brasileira pareceu o local perfeito para nos perguntarmos quais são as cores que matizam esse nosso país.

Logo tu Carnaval, tão acusado de alienado se revelou político? Cada vez mais estou convencido que o carnaval do Rio de Janeiro é uma das pontas de lança da sociedade brasileira em seus dilemas e esquizofrenias.

Ok. Esse desfile foi algo que ninguém esperava. Afinal, quem poderia imaginar que uma pobreza totalmente propositada poderia desaguar em algo tão belo. E a beleza do simples venceu como talvez ninguém pudesse supor. A Vila Isabel se tornou a campeã, num ano sem o lastro financeiro e retumbante de anos anteriores. Era uma vitória que dinheiro nenhum poderia comprar. Vitória que segundo Martinho lampejou a cabeça brilhante de mestre Joãosinho 30 lá para as bandas de Nilópolis, em transformar o lixo em luxo no ano seguinte. Mas quem é o pai da “criatura” que posso chamar de “catarse carnavalesca” de fins dos anos de 1980 é assunto altamente polêmico. Deixo para outras cabeças refletirem.

E agora Vila, o que tu fez e faz com essa história?

Bom, quando na feijoada de Abril ouvi ao lado de outros vila isabelenses apaixonados, como o também professor de História Fernando Peixoto, da boca de Martinho que o enredo da Vila em 2012 seria “Angola” meu coração gelou. Gelou de felicidade e preocupação. Felicidade, pois a Vila é quase uma província fora do terreno angolano, como Cabinda. A Vila é um pouco angolana, desde 1988. E fiquei preocupado, por pensar que poderiam comparar 2012 com 1988. Mas digo de antemão: aquele desfile é incomparável, é a beleza em seu sentido mais amplo, na minha humilde opinião. Aquele desfile é tão incomparável que parece que a força maior que nos rege não deixou com que ele ocorresse novamente. Um dilúvio caiu sobre Vila Isabel tornando o banquete do último carro alegórico da escola em comida para os flagelados pela chuva.

O que torço como amante do carnaval, vila isabelense e como estudante de Kizomba é que a Vila faça a melhor Angola para o próximo ano. Um campeonato seria legal, lógico... Mas não precisa ser um desfile campeão, apenas inesquecível.

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