quinta-feira, 21 de abril de 2011

A VILA DE HOJE, A VILA DE OUTRORA QUE REVIVEMOS AGORA
"A Vila também se modificou (...)". O samba de André Diniz e cia. é muito claro - ao falar das transformações da vida, avisa aos navegantes - a Vila Isabel também teve sua metamorfose. Uma metamorfose que se iniciou em 2004, com o título de campeã do Grupo de Acesso e que se consolidou com o título do Grupo Especial, em 2006.

Nos últimos três anos, a parceria de André Diniz reinou absoluta na escola. Em 2007, novamente teremos um samba dele na avenida. A comunidade está feliz, a escola deixou de ser "simpática" (ou seja, a que não ameaça ninguém). Todos sabem - a Vila vem para tentar o bi. E pode conseguir.

Os sambas de André Diniz têm feito sucesso indiscutível. O de 2005 foi vital para a escola se manter no Grupo Especial, já que o desfile teve inúmeros problemas na parte estética por força da saúde debilitada do carnavalesco Joãozinho Trinta, que não pôde terminar o carnaval da escola. O de 2006, mesmo com todas as críticas negativas decorrentes dos refrões em "portunhol", de gosto duvidosíssimo, funcionou muito bem. E o de 2007, deve seguir o mesmo caminho.

Diniz não fez apenas estes quatro sambas. Sua primeira vitória na escola foi em 1994. Mas eram outros tempos. A Vila ainda não tinha se modificado, ainda era a Vila de Noel, de Martinho... não era a Vila de Moisés e de Diniz. Interessante notar que desde a primeira vitória de Diniz, Martinho nunca mais ganhou um samba na escola. Tudo bem - ele concorreu poucas vezes, que eu me lembre apenas em 1997 e 2006. Atuou mais nos bastidores, principalmente quando a Vila foi para o acesso, inclusive sendo autor dos enredos sobre Niemeyer e do Estado do Rio de Janeiro. Foi o idealizador, também do enredo sobre a América Latina, que inclusive o levou a ter a idéia de fazer o disco "Latinidade" e de "Kizomba, Festa da Raça", que resultou no primeiro campeonato da escola no Grupo Especial.

A importância de Martinho para a Vila não pode ser mensurada. Iniciou-se em 1967 quando, numa era de sambas épicos como "Chico Rei", "Memórias de um Sargento de Milícias", e etc., ele compôs um samba que tinha o seguinte refrão, retirado da cultura popular: "Ciranda, Cirandinha, vamos todos cirandar / Vamos dar a meia volta, volta e meia vamos dar". A Vila conseguiu o feito de ficar em quarto lugar, numa época em que Salgueiro, Império, Mangueira e Portela reinavam absolutas e incontestadas no Carnaval Carioca. Entretanto, o jurado Chico Buarque de Holanda foi duro ao julgar o samba da escola. O protesto de Martinho apareceu na faixa "Caramba", de seu primeiro disco: "nem o Chico entendeu o enredo do meu samba! (...)" Entretanto, a Vila não era mais a mesma. Nem os sambas enredo a partir de então.

Martinho iria vencer ainda nos três anos seguintes, com os maravilhosos "Quatro Séculos de Modas e Costumes", "Yayá do Cais Dourado" e "Glórias Gaúchas". Em 72, ganhou novamente a disputa com o estupendo "Onde o Brasil aprendeu a Liberdade", para alguns, o melhor de seus sambas e um dos poucos que passaram pelos desfiles da Vila e não ganharam o Estandarte de Ouro, prêmio do Jornal O Globo, que foi instituído no mesmo ano. Ganhou o prêmio em 1980, 1984 e 1993. Perdeu o Estandarte de Ouro em 72 e também em 87, com o impressionante "Raízes", um samba tão genial que sequer possuía rimas.

Todos os sambas de Martinho ficaram para a eternidade, até mesmo os que não ganharam as disputas na escola, como "Tribo dos Carajás" (1974), "Iemanjá, Desperta" (1978) e "Prece ao Sol" (1997), todos infinitamente superiores aos sambas que a Vila levou para a avenida nos respectivos anos.

Em 1994, Diniz venceu e também conquistou o Estandarte de Ouro - seu único. Era a Vila dos bambas e ele sabia disso, tanto que um dos refrões de seu samba dizia o seguinte: "Peguei o bonde / Passei no Boulevard / E a Confiança é doce recordar / Os "Três Apitos" cantados por Noel / Ainda ecoam pela Vila Isabel".

Diniz venceria ainda, sem tanto brilho, em 1995. Venceu, sem assinar, em 1999, 2000 e 2002, vitórias que agora conta para dizer que tem o mesmo número de vitórias de Martinho na escola. Ao ser entrevistado pelo site do jornal o Dia, revelou sua "fórmula" - "Antigamente, como no samba de 94, podíamos fazer obras mais longas. Hoje, ter três refrões é impensável. As vendas do CD caíram. Tínhamos que ter uma obra com equilíbrio, que juntasse leveza e explosão". Revelou, também, ter desembolsado 34 mil reais na disputa.

Confesso que ler suas declarações me deixou espantado. Quando Martinho chegou na Vila, o grande nome da escola era Paulo Brazão. Martinho sempre se referiu ao compositor como seu "mestre", sempre gravou sambas de Brazão em seus discos. Revolucionou a escola, influenciou seu mestre e fez história.

Diniz, por sua vez, se coloca como rival de Martinho. Quer igualar o número de vitórias, como se isso fosse igualar o seu legado ao de Martinho. Enquanto Martinho criou sambas sem regras fixas, sem rimas, Diniz sai por aí ensinando a sua fórmula, informando que os sambas de hoje não podem ter três refrões, tem de possuir explosão e etc.

A arrogância das declarações incomoda. Diniz fala como o representante de uma mentalidade de se fazer carnaval que desconsidera o passado. Martinho nunca desconsiderou o passado e por isso não é passado. Fez sambas atemporais, que são lembrados 40 anos depois. Martinho nunca ensinou fórmulas - subverteu todas, como em 2006, quando seu samba concorrente, quando falava de Simon Bolívar, preparava um refrão que não chega a se concretizar porque Martinho simplesmente altera um dos versos e a melodia vai para um lugar impensado, que os sambas certinhos de Diniz nunca conseguiram.

Diniz certamente vai ter mais vitórias que Martinho, mesmo sem contar os sambas que não assinou. Vencer é o importante no carnaval de hoje. Vencer a qualquer preço... digamos, 34 mil reais. Vencer lotando a quadra com "funcionários" para pressionar diretorias nas escolhas. Sambas que não são feitos para a eternidade, mas para funcionar nos desfiles.

André Diniz é, sem sombra de dúvidas, um bom compositor. Seu estilo está se espalhando pelas demais escolas - vide o samba que a Mangueira apresentará em 2007. Isto sem contar os seus sambas que ganharam e ganharão ainda este ano em outras escolas. "Soy Loco por ti América" pode ser que seja o "Festa para um Rei Negro" dos nossos tempos. Nada contra. Mas qual será o preço disso? Porque será que o disco de 1980, que tinha "Sonho de um Sonho", vendeu 1 milhão de cópias e o de 2006 vendeu pouco mais de 100 mil? Porque será que Diniz nutre esta rivalidade com Martinho, em vez de reverenciá-lo como mestre? Por que alguém tem de encher uma quadra e gastar 34 mil reais para ganhar um samba? Os critérios não deveriam ser artísticos, vencer o melhor? Será que o samba de Diniz deste ano era realmente o melhor?

* * * * *

Os meus comentários sobre as "firmas" e suas vitórias geraram alguma polêmica. Talvez os amigos não tenham consciência do mal terrível que essas vitórias são. Elas não se restringem ao carnaval carioca - de Porto Alegre a Manaus, as firmas espalharam seus tentáculos, monopolizando as disputas, impondo suas "fórmulas", impedindo a evolução do gênero samba-enredo.

Por isso, eu tenho de exaltar uma vitória que muito me alegrou, de um samba de comunidade, que venceu as "firmas" e tem tudo para ser um verdadeiro sacode na avenida.

A escola Consulado, de Florianópolis terá, na minha opinião, o melhor samba de 2007, superior a todos os sambas escolhidos no Rio este ano. Um samba de jovens, torcedores verdadeiros da escola, que chutaram as fórmulas para escanteio, mesmo sem grandes ousadias, e derramaram poesia nos versos. Um samba que Luizinho Andanças irá levar, provavelmente numa cadência muito mais agradável do que a que será imposta pela bateria do Porto da Pedra.

Quantos jovens estão tendo seu talento calado, escondido em disputas com cartas marcadas? A culpa é das firmas. Por isso, eu não consigo me empolgar com a safra de sambas medíocre do Rio deste ano. Muita pouca coisa foge da mesmice.

Em breve, disponibilizarei aqui o link com a gravação do samba da Consulado. É um samba que me dá a esperança de dias melhores. Todos os grandes impérios ruíram na história da humanidade. Quem sabe não acontecerá o mesmo com o "império das firmas"?
Abraços a todos!

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