sexta-feira, 22 de abril de 2011

 ISTO A HISTÓRIA REGISTRA!


Quando em 2001, a escola Paraíso do Tuiuti pisava, pela primeira vez como escola do Grupo Especial, a Marquês de Sapucaí, trazia consigo um samba totalmente diferente, com uma melodia ímpar. Cantado por Ciganerey, a obra não empolgou o público, mas causou grandes impressões naqueles que prestam um pouco mais de atenção em samba-enredo – que, infelizmente, estão cada vez mais longe da Passarela do Samba.
Para mim, aquele seria o futuro do samba-enredo – um novo jeito de se fazer, que tiraria o gênero do marasmo formulático da última década. Era um samba com variações bruscas na melodia, que o tornava mais difícil de escutar e de cantar, mas que, ao mesmo tempo, forçava o ouvinte a ter uma nova postura diante do que estava sendo oferecido. Era um samba “pegar ou largar” – você teria de decodifica-lo para o entende-lo. Esta decodificação é prazerosa e quem se dispõe a isso descobre um novo mundo de sons inesperados e ricos. Porém, para um público cada vez mais alienado, um samba diferente acaba levando a um distanciamento emocional - como o que foi visto em 2001.


 
Talvez se a escola não fosse a Paraíso do Tuiutí, a situação fosse diferente. Imaginemos que a Imperatriz, p.ex., levasse um samba assim para a avenida. A atenção na obra seria diferente. Será que um samba como este, na Imperatriz, conseguiria, finalmente, mostrar novos caminhos para os compositores e uma nova forma de escutar samba para o público? Ano após ano, a escola nos nega a resposta, rejeitando as obras de Eduardo Medrado e cia.
O compositor e seus parceiros vêm fazendo sambas-enredo neste estilo desde 2000. Em 1999, quando venceram pela última vez as eliminatórias na Imperatriz, já tinham um estilo de compor diferenciado. Porém, foi a partir de 2000 que eles ‘endoidaram’. Concorreram na Imperatriz, no Salgueiro... Até na tradicional Mangueira, ousaram tentar levar seu estilo diferente de fazer samba. A única vitória, entretanto, continua sendo na Paraíso do Tuiutí.
Anderson Paz, intérprete de praticamente todos os sambas da parceria, gravou o samba enredo da minha escola, a Imperatriz Paulista, no CD da LIESV. Confesso que senti um pouco de orgulho quando ele disse que o samba parecia “os sambas doidos do Estevam”. Evidentemente, falou isso como um elogio. João Estevam, radialista da Manchete, é mais um dos integrantes das parcerias de Eduardo Medrado e cia.


Conversando comigo, Anderson elegeu o seu favorito – justamente o concorrente de 2000. Chegou a afirmar que se gravasse um CD solo, certamente incluiria o samba no repertório. O meu preferido é o concorrente de 2006, cujo clima de romantismo, particularmente, me encanta e que foi, absurdamente, cortado na semifinal. O de 2007, bilhões de vezes melhor do que o que foi cantado na avenida, nem a isso chegou.
Acabei de receber o primeiro samba “doido” concorrente para 2008. É de Kleber Rodrigues e Diego Moura, para o Salgueiro. Ambos já fizeram parceria com Eduardo Medrado. Kleber, inclusive, participou, com Medrado, do Festival Fábrica do Samba, de 2004, com a canção “Semente do Samba”, que chegou à semifinal do concurso.
À medida que o samba é divulgado, as opiniões se dividem. Quando algo rompe com o tradicional, alguns sentem repulsa, outros abraçam com paixão. As escolas, medrosas, acabam optando por sambas mais “funcionais”. Entretanto, o que importa é a influência que este tipo de samba terá na futura geração de compositores, não só de samba-enredo, mas de samba em geral. Para mim, estas obras mostram que o gênero samba-enredo ainda não está esgotado, diferente de outros gêneros musicais, como o jazz, p.ex. Há estradas que ainda não foram caminhadas. Porém, para seguir estes novos caminhos, muros terão de ser derrubados. E, num meio tão conservador, essa é a parte mais difícil.


* * * * *
Com relação ao samba em si, apesar de alguns trechos brilhantes, como na linda entrada “Rio de Janeiro continua sendo / Rio do Salgueiro / Sempre, sempre a encantar”, parece o samba mais desconjuntado do “núcleo” Medrado. Geralmente, esse tipo de samba tem uma lógica interna, um tema melódico recorrente que conecta as diversas partes – o que este não tem. É um dos melhores concorrentes da escola, mas não é genial.


Aliás, um dos mais interessantes fatos nestas eliminatórias do Salgueiro é ver tantos nomes de compositores consagrados nas décadas de 70 e 80 voltando a concorrer. Djalma Sabiá e Zuzuca não ganharão - estão fora da realidade das disputas de samba atuais (infelizmente) - mas colocam um tempero especial na disputa. 


O da parceria campeã de 2007 é muito superior a “Candaces”. É um samba com passagens excelentes, em especial, a melodia em “Chega a Família Real / Dando um charme especial”, que sai do comum e prepara para um forte no refrão do meio. A minha única ressalva é a entrada da segunda parte, em que o samba dá uma caída grande – uma coisa um pouco parecida com o samba de 2006 da escola.
Dos que ouvi, o meu preferido é o de Cezar Veneno, um dos autores de “E Por Que Não?”. O refrão de cabeça pode funcionar brilhantemente na avenida – é possível até visualizar a Sapucaí cantando junto com a escola: “Maracanã tá lotado... É GOOOOOOOOOL!” É esse tipo de simplicidade que vem faltando aos sambas atuais e que aproximam a escola do público. O resto do samba tem uma pegada gostosa, típica da virada dos anos 80 para os anos 90. O refrão do meio, numa levada tipo “Sou Amigo do Rei”, ficaria lindíssimo.


*****
Já que falamos de Salgueiro, e Salgueiro terá como enredo o Rio de Janeiro, resolvemos disponibilizar um samba-enredo sobre o Rio – trata-se do clássico de Walter Rosa, “Rio, Capital Eterna do Samba”, que levou a Portela ao título em 1960.
A versão é cantada pelo próprio compositor e apareceu na coleção “A História das Escolas de Samba”, no volume 6. É um samba curto, com um refrão bastante simples e uma melodia maravilhosa. Acho que o grande mérito deste samba, mais do que suas qualidades técnicas, é passar o “espírito carioca”. Não é apenas um samba sobre o Rio de Janeiro, mas é a própria cara do Rio, em especial a do Rio dos anos 60. Link:



 
Aliás, Renato Lage foi muito feliz ao escolher o enredo do Salgueiro. Parece que ele abandonou o modernismo e as referências pop dos seus carnavais dos anos 90, com um enredo pós-moderno, de ar nostálgico, porém atemporal. É a revolução que o Império Serrano quase adotou a partir de 2006, mas que foi abortada prematuramente com aquela coisa horrível do ano passado. Espero que ele mantenha o bom gosto do visual de “Candaces” e dê um tempo no néon, que, se nos anos 90, simbolizava o futuro, hoje simboliza decadência.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

PESQUISAR