Portela 1980 – Será que hoje vai ter marmelada de novo?
Atendendo aos pedidos, vamos dar continuidade à história que começamos a contar na coluna anterior. No ano de 1979 o carnaval da Portela foi sucesso de público e crítica. Só não foi de nota e a escola engoliu seco o resultado obtido (terceiro lugar, atrás da Mocidade e da Beija-Flor). E a resposta veio em forma de muito bom humor.
Viriato Ferreira anunciou o enredo do carnaval de 1980: sobre o circo. Ate aí, nada demais, um enredo comum, e de muita versatilidade estética, se não fosse o título do enredo: Hoje tem Marmelada? – Uma clara referência ao resultado do ano anterior, usando como pretexto uma das falas do palhaço em uma canção muito conhecida do público em geral. O resultado foi que nos jornais a alternância entre a genialidade e a critica mordaz ao carnavalesco deu a tônica do espetáculo que estava por vir.
E o respeitável público estava diante de novidades para o julgamento do carnaval de 1980. Era consenso dos organizadores que o carnaval estava se tornando cada vez mais profissional e cada vez menos popular, cada vez menos brincado. Diante de tal situação, foi acertado que os quesitos Comissão de Frente e Mestre-Sala e Porta-Bandeira estariam suprimidos do cômputo geral, ou seja, deixariam de existir. Medida que ia de encontro à chuva de contratações que se sucedia em virtude da busca pela nota máxima. Há rumores que também nada disso tenha acontecido pela pureza do carnaval, e sim por uma manobra de Carlinhos Maracanã, homem forte da Portela, para amenizar a saída da eterna Porta Bandeira Vilma Nascimento. Também houve redução de jurados para apenas um por quesito e o surgimento do até hoje indecifrável quesito conjunto, que na época valia de 1 a 3 pontos. Já dava pra ver que a Portela começava como vedete do carnaval: enredo polêmico, embora simples; jogo de bastidores; saída de baluartes...
E chegou o grande dia... A expectativa era grande desde a primeira agremiação, pois o Império Serrano estava voltando ao panteão das grandes escolas e não queria fazer um mau papel... Ainda tinha a Vila Isabel com um samba antológico, um Salgueiro problemático, com mudança de carnavalesco, de samba e, depois ficaria evidente uma mudança de identidade também, fora as escolas que, no ano anterior, “roubaram” o título da Águia de Madureira: Beija-Flor e Mocidade com carnavais de belíssimo gosto, cada qual ao seu modo - O exacerbado luxo de Joãosinho Trinta e o Tropicalismo bufante de Fernando Pinto... Passou Mangueira e veio a Portela...
Nitidamente uma escola que levou a sério aquele carnaval. A escola se esmerou ao máximo para ser perfeita em tudo, desde o contágio do povo até arrancar na marra cada nota máxima dos jurados. Mais uma vez a águia da escola veio com desenhos mais rebuscados, abrindo espaço para um grande espetáculo circense em plena Avenida Marquês de Sapucaí. Impressionante também eram a aceitação do samba de David Correa e a variação de tonalidades de azul que permeou todo o desfile. O multicolorido mundo do Circo estava mais azul do que nunca. A escola teve evolução impecável, passou com fluidez e eficiência na avenida, e deixou saudade mais cedo que de costume, mesmo com um contingente de 3000 componentes, ou mais, já que a medição não tem esse grau preciso de exatidão. Nada ficou devendo. A escola tinha aval de público, de crítica e uma técnica nunca antes vista pelos lados de Madureira. Poderia, mais uma vez, o imponderável agir contra a escola de Paulo da Portela?
O desfile ainda contou com o fechamento de União da Ilha e Imperatriz Leopoldinense, que fez um desfile surpreendente, mas o que se comentava era que Beija-Flor e Portela seriam as estrelas da apuração... A diretoria portelense, imbuída do espírito do gato escaldado, nem se pronunciava...
Na quarta-feira de cinzas, o menor número de jurados provocou um empate triplo. Isso mesmo, triplo: Portela, Beija-Flor e Imperatriz Leopoldinense dividiram o título de 1980. Festa em Oswaldo Cruz e Madureira, alma lavada, quase uma redenção. O carnaval se rendia à Viriato Ferreira, e a Portela sedimentava sua 20ª conquista. A única marmelada que apareceu neste carnaval estava na mão do palhaço e na boca do povo.
Na próxima edição, vamos voltar ao sambódromo pra mostrar como um dia São Paulo conseguiu entrar na Sapucaí e encantar o Rio de Janeiro. Aguardem...
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