É claro que, como sambista, tenho uma expectativa positiva. Para falar a verdade, e com todo o respeito, o prédio da Brahma sempre foi uma pedra no nosso sapato bicolor. E por quê? Porque impedia o vis-à-vis das arquibancadas, que desde sempre se revelou um fator de animação. Todo mundo se lembra do Carnaval de 1992: a vitória da Estácio de Sá com aquele Carnaval maravilhoso foi em parte atribuída à arquibancada do Setor 11, que, antes de virar setor de turistas, era o mais animado da Sapucaí. O setor 11 chegou inclusive a receber naquele ano um prêmio do hoje extinto Conselho do Carnaval, o Prêmio Cidade do Rio de Janeiro, por sua participação no resultado.
E qual era o segredo da animação do Setor 11? Um dos segredos era o diálogo com o Setor 4, que lhe é fronteiro. O pobre Setor 4, cujas arquibancadas ficam em recuo em relação à pista, só permitindo que o espectador veja alguma coisa quando a escola desfilante já está bem na sua frente, era contagiado pela animação do 11, as brincadeiras e coreografias se sucediam, coisa que não se pode esperar dos camarotes fronteiros aos demais setores ímpares, porque muitas vezes temos a sensação de que no camarote há muita coisa pra fazer além de assistir ao desfile. Lá a animação é uma exceção.
A mudança anunciada me fez lembrar o longínquo 84, em que após sonhos e expectativas nos deparamos com um espaço inadequado ao desfile. Com o tempo foram feitos acertos, mas num primeiro momento exigiu-se das escolas de samba uma performance na Praça da Apoteose que nunca fez parte de suas tradições. E até que se dessem conta do absurdo de uma exigência que descaracterizava brutalmente o desfile, as escolas se esforçaram para dar razão de ser àquilo. E raramente conseguiram.
Para mim sempre ficou uma dúvida: os sambistas não foram ouvidos? As entidades representativas não foram consultadas? E é isso que me aflige agora: inicia-se uma reforma há muito esperada, mas sem consulta a quem realmente conhece aquele espaço. Mesmo que as ligas e associações tenham sido ouvidas, para mim existe uma certeza: quem entende de arquibancada é Dona Celuta, uma senhora que conhecemos nas filas de entrada do Setor 11 e que disputava com o meu grupo ser a primeira a entrar na arquibancada para pegar o espaço da "quina", bem em cima do recuo da bateria. Com chuva ou com sol, Dona Celuta esteve no Sambódromo a cada ano, conhece cada espaço e cada problema.
Como ela, devem existir muitas outras pessoas. E eu pergunto: Dona Celuta foi ouvida? Assim como nela simbolizo o fiel amante do carnaval das escolas de samba, vou mais longe: será que Henrique Matos foi ouvido? O querido fotógrafo do espetáculo está aqui simbolizando todos aqueles que trabalham no espaço da passarela: fotógrafos, repórteres de diversos meios de comunicação, etc. A reforma mudará muito a vida dessas pessoas. Elas certamente teriam muito a dizer sobre isso. Mas sinceramente, não ouvi dizer que ninguém tenha sido consultado.
O assunto é tão apaixonante que terei de voltar a ele mais adiante, porque muita coisa ficou por dizer. Mas a reflexão que se impõe por enquanto é: por que errar para depois consertar? Não seria menos desgastante e mais econômico fazer logo tudo direito?
Para concluir, aí vai o refrão do bom samba da campeã de 1992:
"Modernismo movimento cultural
No país da Tropicália
Tudo acaba em carnaval..."
Nenhum comentário:
Postar um comentário